Os registros abaixo não foram editados (sem confirmação histórica e correção ortográfica) para preservar as memórias de Wilson Valverde e deixá-la exatamente como ele relatou os fatos.
“Em 1950 decidi participar da vida política. Nesse ano, Getúlio Vargas, que tinha sido deposto em 1945, candidatou-se novamente à presidência da República. Foi o presidente do Brasil que em toda a sua história, concedeu mais benefícios aos trabalhadores. Deu direito às mulheres de serem eleitoras, criou o IAPI, hoje INSS, criou o auxílio-doença, maternidade, funeral, jornada de trabalho de 8 horas, o salário-mínimo, entre outros.
Procurei o Galba Rodrigues Ferraz, que era um dos chefes do PTB – Partido Trabalhista Brasileiro – em Cataguases MG. Falei com ele que gostaria de participar da campanha, pois, desejava que Getúlio voltasse ao poder. As eleições seriam realizadas no dia 03 de outubro e a campanha foi iniciada no dia 03 de julho. Durante as noites, às terças, quintas e sábados fazíamos comícios e durante o dia, após o almoço, cabos eleitorais distribuíam boletins nas ruas e bairros. Aos domingos, eu, Galba e demais membros do PTB, fazíamos visitas às casas pedindo votos.
Getúlio Vargas foi eleito presidente da República. O Brigadeiro Eduardo Gomes foi derrotado no Brasil. A partir da vitória foi iniciada a campanha do “Petróleo é nosso”, comandada por Getúlio Vargas, pelo General Horta Barbosa, o escritor Monteiro Lobato e outros. Eu e o Galba entramos nessa campanha e escrevemos em todos os muros da cidade, a frase “O Petróleo é nosso”. Por causa dessa frase fomos intimados a prestar declarações ao delegado de Polícia, até o ano de 1955, por mais de cem vezes.
Em julho de 1954, Getúlio assinou a Lei 2004, criando a Petrobrás e em 24 de agosto ele foi assassinado. Nesse dia, aqui em Cataguases, os operários largaram as fábricas e saíram para as ruas acusando os udenistas de terem matado Getúlio. Eu fui à Rádio Cataguases e falei com o Dr. Pedro Dutra que estava na hora de queimar todas as faixas da UDN. Arranjamos 20 homens e os dividimos em grupo de cinco. Cada grupo saiu para uma região, levando uma lata de óleo diesel e bambus com panos amarrados em suas pontas. Rodamos a cidade toda e queimamos todas as faixas.
Houve eleições municipais para Prefeito e Vereadores. O Dr. Pedro Dutra me chamou para participar dessa campanha para elegermos Jose Esteves para prefeito. Trabalhei intensamente de casa em casa! No entanto, todas as vezes que havia pleito municipal em Cataguases, os magnatas da cidade reuniam toda a elite local com seus carros, alugavam todos os táxis existentes, os quais, no dia da eleição, iam buscar os eleitores – antes de serem encaminhados às urnas, passavam pelo “curral eleitoral”. Ali, os eleitores eram revistados, se possuíam cédulas de candidatos do Dr. Pedro Dutra eram rasgadas e jogadas no lixo. Cédulas de seus candidatos eram entregues aos eleitores encurralados, que em seguida eram encaminhados às seções correspondentes. Ali chegando, eram recebidos por fiscais que os vigiavam até o ato da votação. Tracei um plano: procurei o Dr. Pedro Dutra cinco dias antes e combinei com ele que arrumaria 20 homens, distribuídos em grupos de cinco, cada um com um furador com a ponta bem afiada dariam uma volta pela cidade na véspera da eleição e furariam todos os pneus de automóveis que encontrassem, inclusive aqueles que estivessem em garagens. No final, o Jose Esteves foi eleito prefeito e teve uma festança na cidade, essa foi a primeira vez que a oposição ganhava a eleição em nosso município.
Em 1958, tínhamos iniciado a campanha eleitoral. Fundei em Cataguases, o Partido Socialista Brasileiro e lançamos o Galba Rodrigues Ferraz para prefeito e eu como vereador. Perdemos as eleições! Fui trabalhar no IPASE (Instituto de Pensões e Aposentadoria dos Servidores do Estado, na agência recém-inaugurada em Cataguases.
Em 1961, Jânio Quadros condecorou o Che Guevara com a “Ordem do Cruzeiro do Sul”. Isso provocou a ira dos mandões dos EUA e dos militares no Brasil. Pressionado por essas duas forças, renunciou seu mandato em 25 de agosto de 1961. Não queriam dar posse ao vice-presidente João Goulart, o que obrigou Leonel Brizola a acionar o comandante do Terceiro Exército no Rio Grande do Sul, levando o Brasil as beiras de uma guerra civil. João Goulart foi empossado no regime parlamentarista. Um ano depois foi feito um plebiscito e 80% da população condenou o parlamentarismo e João Goulart voltou a governar no Presidencialismo. No dia 31 de março de 1964, João Goulart foi deposto pelas tropas do General Mourão e dos Primeiro e Segundo Exércitos que a ele aderiram. Por todo os municípios do Brasil foram presas milhares de pessoas que junto com João Goulart e Leonel Brizola tinham defendido as reformas de bases, para salvar o Brasil da falência. Eu fui um desses presos. Estava em minha casa, junto com a minha esposa ouvindo notícias pela rádio. Concluí que Jango seria deposto. Combinei com a minha esposa, que antes de amanhecer eu sairia. Subir o morro que fica após o Bairro Jardim e tomar um rumo para não ser preso. O relógio marcava 4h da madrugada, quando alguém bateu à porta e falou assim: “Cicinho (meu apelido) abra a porta”. É a Lídia sua irmã quem está aqui. Arrume-se. Estou te esperando”. Minha trouxa já estava pronta. Saí com ela e meu cunhado. Passamos no Hotel Cataguases, deixamos a Lídia minha irmã lá. Chamei o Rubens Policastro, que estava dormindo na casa do Sr. Alencar, perto do Hotel. Saímos em direção à Vila Domingos Lopes. Quando chegamos perto do prédio da Indústria Irmãos Peixoto, tinha ali muitos policiais e operários das fábricas, cada um com um pedaço de pau em suas mãos. Mandaram parar o carro, mas o Antônio não atendeu. A polícia saiu atrás de nós. O Antônio entrou na Rua Gama Cerqueira, cercaram o nosso carro e fomos levados presos para a delegacia local. O delegado era novato aqui no município e não conhecia ninguém. Fomos apresentados para o Galba Rodrigues Ferraz, que deu um sinal para os soldados que nos colocasse atrás das grades.
O Dr. Pedro Dutra, no outro dia, foi comunicado sobre a minha prisão e quando a justiça entrou em atividade, deu entrada de habeas corpus com o Juiz Dr. Jose Ferreira dos Santos. Em seguida, o oficial de justiça foi à delegacia informar ao delegado – Dr. Ediraldo Bicalho Brandão se eu estava preso nela. Respondeu para o Oficial que não. Dr. Pedro Dutra de posse dessa informação solicitou que o oficial entrasse nas celas e verificasse com seus próprios olhos. O oficial retornou, mas foi impedido de entrar. Mediante esse ato, o Dr. Jose concedeu o habeas corpus e mandou o seu despacho para o delegado. Nessa altura já eram 17h e sua decisão não foi cumprida. Às 20h, a kombi do Rodoviário Mineiro encostou perto da porta da delegacia. Eu e Rubens algemados fomos jogados em seu recinto. As luzes da cidade foram desligadas e fomos levados para Juiz de Fora no Batalhão da PM e lá dormimos trancafiados. Às 8h do dia seguinte nos colocaram dentro de um camburão e levados para a delegacia local. Um pequeno grupo de presos no pátio ficou contra nós e gritavam que nós deveríamos ser fuzilados. Porém, um grupo maior reagiu a nosso favor. Gritaram que quem deveria ser fuzilado eram os ladrões e assassinos. “Eles estão presos porque são comunistas e quiseram tomar dos ricos para dar aos pobres”. A discussão foi acalorada e durou até às 16h quando apareceu lá um corpo da Polícia Especial do Exército e nos conduziu para sua sede. Fomos levados para uma sala grande e o militar recomendou com voz autoritária, que não queria conversas entre os detentos e que quem desrespeitasse a ordem seria colocado numa solitária. Dei uma olhada em todos os presos que estavam nessa sala e concluí que em sua maioria eram alguns jovens, que eu soube mais tarde, serem alunos da Universidade de Juiz de Fora e que os mais velhos eram professores. Ficamos ali por 8 dias, comíamos na cantina que ficava distante uns 50 metros. Um dia, quando retornávamos do almoço, o General Mourão entrava na sede do exército. Quando ele viu que éramos presos políticos, mandou parar o jipe – um dos guardas de segurança veio até um dos soldados que nos vigiava e sussurrou algo em seu ouvido. Esse soldado gritou bem alto: “Todos encostem de frente para a parede e levantem os braços”. Obedecemos a suas ordens imediatamente. Todos os soldados que nos vigiava mais os seguranças do general Mourão se postaram com suas armas apontada para nós. Só assim, o general Mourão, teve coragem de passar por nós.
Oito dias após, fomos colocados em um caminhão do exército, coberto por uma lona e levados para DOPS em Belo Horizonte. Dentro do caminhão, os soldados iam armados com metralhadoras e receberam ordens na nossa presença, que qualquer movimento suspeito de nossa parte, matassem todos. Felizmente, todos éramos pessoas sábias e a viagem foi tensa para nós, porém sem nenhuma ocorrência que pudesse colocar nossas vidas em risco. Quando chegamos em Belo Horizonte, fomos levados direto para o DOPS, nos colocaram em uma cela redonda para servir o jantar. A comida veio dentro de um latão, desses que é usado para transporte de leite vindo da roça. O latão estava todo descascado e enferrujado. Quando olhei o conteúdo senti nojo. Alguns minutos após, apareceu um cidadão com 2 metros de altura, era o delegado do DOPS, o Dr. Itacyr. Rodeou em volta das grades e de repente falou alto; “Professor, o senhor não pode ficar preso nessa jaula imunda. Vou tirar o senhor daí”. Retirou-se. Nesse meio tempo, alguns presos conhecidos por ele falaram que conversasse com o Dr. Itacyr para irmos para outra prisão, se ficássemos no DOPS, o pau ia quebrar em cima de nós. O Dr. Itacyr retornou e o carcereiro abriu a porta para a saída do professor. Meia hora depois, um ônibus encostou perto da cela e um policial civil falou que todos que fossem chamados entrasse para o recinto de um ônibus. Todos que tinham vindo no caminhão foram chamados e lotaram o ônibus, cujas janelas eram de grades de ferro. Fomos levados para Penitenciária de Ribeirão das Neves. Chegamos por volta da 1h hora da madrugada. Passamos por aqueles portões de ferro de 1 polegada, acorrentados por enormes cadeados, nos deixando a impressão negativa, que estávamos em presídios da idade média e que jamais sairíamos dali. Fomos levados para o 5°andar. Eu fiquei na cela que ficava do lado direito do topo da escada. Todas as celas tinham portas com total vedação, com apenas uma janelinha de 20 centímetros no centro. Sozinho, jogado naquela cela fria, fiquei meio apavorado na primeira noite. A partir do 2° dia, todas as noites eu observava as turmas que iam chegando de madrugada. Num desses dias, chegaram mais alguns de Cataguases. Manoir, Zé Rosa, Euplinio Sinlício e Itamar Barbosa, apelidado de “Pescoço”. No oitavo dia, tinham comigo na cela, mais 17 presos para usarem 1 pia e 1 vaso sanitário, ambas em péssimas condições de conservação causando nojo na gente. No nono dia, o Tenente que chefiava o presídio de Neves e seus auxiliares chegaram a minha cela. Um deles disse que aqueles que ele falasse o nome se apresentasse para ser transferido para a Penitenciária Magalhães Pinto. Eu fui um dos chamados. Descemos as escadas do presídio, 36 presos de cada vez, que era o número exato para lotar um ônibus. Esse dia, também ficou marcado em minha vida. Quando eu cheguei na porta de saída, o ônibus estava parado a uns 10 metros de distância, à beira da calçada. Os guardas fizeram uma “fila polonesa”, armados de metralhadoras e cada um de nós passava no meio deles até chegar ao ônibus. Muitos populares observavam aquele espetáculo degradante, vendo-nos por sermos comunistas, sermos tratados como se fossemos criminosos de alta periculosidade, Enquanto passava, lembrei-me daquela cena de Jesus pregado na cruz quando falou aquela célebre frase, que até hoje é repetida pela humanidade:
“SENHOR! PERODAI-VOS! PORQUE ELES NÃO SABEM O QUE FAZEM”.
Fomos levados para o presídio Magalhães Pinto em Belo Horizonte que não sei onde fica localizado. Ali chegando, verifiquei que se tratava de um prédio recentemente construído, com instalações melhores que aquelas da Penitenciária de Neves, só que a água para abastecer o prédio, seria retirada de um poço e o eletricista da Prefeitura de Belo Horizonte ainda não tinha ligado a bomba. Foram os 8 dias que mais sofremos durante o período em que ficamos presos. Não podíamos escovar os dentes e lavar as mãos. Ficamos todo esse tempo sem tomar banho. No quinto ou sexto dia desse sofrimento falei para um dos guardas que nos vigiavam, os quais estavam proibidos de conversar conosco. Falei para ele assim: “Ô soldado, você não pode conversar comigo, mas pode me ouvir. Fale com o Tenente que eu sou eletrotécnico e que posso ligar a bomba em menos de meia hora. Em poucas horas a caixa do presídio estará cheia e nós sairemos dessa tortura a que estamos submetidos”. O soldado gostou do que eu disse e foi falar com o Tenente a proposta que eu tinha feito. Regressou alguns minutos depois e falou assim para mim: “O Tenente disse que você é subversivo e quer provocar um curto-circuito para queimar o prédio.” Ficamos sofrendo mais uns dias e o odor misturado com a de urina exalava por todo o presidio. Apareceu o eletricista, ligou a bomba e a caixa se encheu de água. Tinham 12 chuveiros de água fria e 12 presos de cada vez iam tomar banho e fazer a barba. Cada grupo de quatro teria de fazer suas barbas com uma gilete daquelas do modelo da época, chamada de “gilete azul”. Ficamos mais tranquilos!
O político mineiro José Maria de Alkmin, sempre dizia quando era vivo, que “Política é como nuvem, qualquer ventinho a faz mudar de lugar”. E essa filosofia ficou comprovada, com a ocorrência que vou relatar em seguida.Parágrafo NovoParágrafo Novo
Os “revolucionários de 1964” tinham assumido com o Congresso Nacional, que seriam realizadas eleições normais, dentro do calendário eleitoral. Isso significava, que ela seria realizada em 1965 e Juscelino Kubistchek já estava se movimentando para ser presidente novamente e a polícia secreta do exército acompanhava seus passos por toda parte que ele fosse. Cassaram os seus direitos políticos, mas ele continuou se movimentando. No início do mês de maio, Juscelino foi a Belo Horizonte em um avião de carreira. Quando desceu foi preso pela polícia do Exército. Essa notícia se espalhou rapidamente e chegou ao conhecimento da Polícia Militar. O efeito foi o mesmo, quando a gente cutuca com vara curta uma caixa de maribondos chumbinhos eles ficam ferozes e saem mordendo até em pedras e paus que encontrarem por sua frente. O mesmo aconteceu com a Polícia Militar, porque Juscelino era o padrinho da corporação. No dia seguinte após a prisão, vi um movimento diferente dentro da Penitenciária. Na parte da manhã diversos colegas que estavam presos, passaram acompanhados por um soldado. Entre eles, estava o Rubens Policastro Meira, aqui de Cataguases. Falei para o Gilson Chagas que estava preso comigo na mesma cela: “Gilson, tem alguma coisa voando no ar, sem ser pássaros ou aviões. Vem chumbo grosso por aí”. Após o almoço, ficamos sabendo de tudo. O Tenente era maçom e mandou buscar os 17 “irmãos” que lá estavam presos. Narrou para eles a prisão do Juscelino e mandou que procurassem os demais presos para ver aqueles que topavam fazer uma passeata em Belo Horizonte, exigindo a soltura do Juscelino. Os 17 maçons visitaram todas as celas e todos nós topamos, informando inclusive, que estávamos dispostos a pegar nas armas e sacrificarem nossas vidas se necessário fosse. Quando o Tenente tomou conhecimento dessa decisão dos presos deu uma ordem aos carcereiros. A partir do outro dia, todas as celas deveriam serem abertas às 6 h da manhã e fechadas às 22h. No outro dia fomos todos para o pátio e o “prato do dia”, foi a prisão do Juscelino. Um mais afoito fez um comício e seu pronunciamento arrancou aplausos. Entre outras coisas, disse: “os militares do andar de cima estavam cumprindo ordens do FBI e da CIA e não passavam de traidores da pátria. Que a prisão do Juscelino, foi um desacato não só a Polícia Militar, mas a todo o povo brasileiro e nós não deveríamos tolerar esse abuso contra nosso povo”. Outros também usaram da palavra e fizeram severos ataques aos que estavam governando o Brasil com ditadura para entregar nossas riquezas aos imperialistas e banqueiros. A Polícia ficou de longe, não participou, mas também não deu um cala boca em nós. No outro dia, chegou a notícia, que após uma reunião entre o Comandante Geral da Polícia e o Comandante do Exército em Minas, Juscelino foi solto. A comemoração foi no estilo de festa! Nesse dia o Tenente mandou nos avisar que a telefonista da Penitenciária estava autorizada a completar ligações a cobrar para nossos familiares. Quando chegou a minha vez, eu telefonei para a mamãe dizendo que estava muito bem onde me encontrava. Que ficasse tranquila e que não precisava ir aonde eu estava e nem mandar ninguém, porque esse local ficava distanciado de Belo Horizonte e a estrada de comunicação era de chão duro e com muitos buracos. Passei para ela o número do telefone da Penitenciaria e por diversas vezes ela fez ligações. Dias depois o meu irmão Etelberto apareceu por lá, o mesmo acontecendo com parentes dos outros presos. Não tinha dia certo para visitas. O Tenente autorizou que todos fossem recebidos devido a distância longa entre a Penitenciária e Belo Horizonte. Esse ambiente durou pelo resto do tempo em que lá permaneci. Algum tempo depois, um grupo de cada 10 prisioneiros eram levados para o DOPS de cada vez, para prestarem seus depoimentos sobre suas atividades políticas antes da revolução. Chegou a minha vez. Chegando ao DOPS, fui colocado em uma cela, onde estava o deputado Dazinho, um líder do sindicato dos metalúrgicos da Belgo Mineira em Minas Gerais. Eu já o conhecia e em conversa com ele e com os demais que nessa cela estavam presos, falei que ia morrer de fome, porque meu estômago não aceitava a comida do DOPS que não era apropriada. O Dazinho disse para mim que eu não iria morrer de fome, porque naquela cela ninguém mais iria se alimentar com a comida dada pelo DOPS, um padre de Belo Horizonte, seu amigo, mandaria comida para todos, no almoço e na janta. Respirei aliviado com essa notícia e no outro dia, tudo o que o Dazinho dissera, foi confirmado. Em uma vasilha de madeira, daquelas que eram usadas em padarias para serem colocados os pães, chegou o nosso almoço. Arroz com petipuá, bife à milanesa, carne de porco cozida, feijão mulatinho, ovos estrelados, salada de alface com tomate e outras coisas mais. Fiquei 7 dias no Dops e no 8°dia fui levado a presença dos encarregados de colherem o depoimento. Fizeram um montão de provocações, pensando que eu fosse reagir para eu levar umas cassetetadas. No entanto, eu havia aprendido com Maquiavel em seu livro “O Príncipe”, que diante dos donos do poder, nunca se deve levantar a voz e limitar-se a responder, “sim” ou “não”, deixando sempre uma dúvida em suas cabeças sobre nossas respostas. Segui à risca esse ensinamento, sendo frio e calculista, o que os deixou muitos irritados. O que eu tinha em minha mente é que eu não tinha que dar explicações a policiais que estão a serviço de ladrões das riquezas do Brasil, que são pessoas despreparadas e sem nenhum conhecimento do mal que estavam cometendo contra o provo brasileiro. Depois fiquei sabendo que no meu grupo estavam todos de Cataguases. Terminados os depoimentos, fomos colocados dentro de um camburão e conduzidos para delegacia de Cataguases. Fomos entregues ao Tenente Rodrigues Leite, chefe da Delegacia do Serviço Militar em nosso município. Fomos colocados atrás das grades e o Tenente Rodrigues disse para nós que assim que chegasse ordem do Presidente do Tribunal da 4ª Região Militar em Juiz de Fora seríamos libertados. Passamos dois domingos presos em Cataguases e fomos visitados por nossos parentes e por pessoas amigas. Lídia, minha esposa, estava morando com a mamãe e as duas levaram o Carlinhos, que tinha apenas 4 anos e a Karla que tinha 2 aninhos. Eu não sentia nenhum vexame diante de minha mulher, de meus filhos, de meus parentes e de meus amigos por estar preso, eu não era um criminoso e não tinha cometido nenhum ato visando prejudicar o povo brasileiro. Pelo contrário, eu estava preso, porque não queria que o Brasil continuasse sendo colônia dos Estados Unidos, que estavam roubando mais de nós, que Portugal nosso primeiro colonizador. Ficamos mais 15 dias presos esperando essa ordem. Nesses 15 dias houve banquete na cadeia local. Não me lembro a data, mas sei que foi no mês de julho de 1964 que fomos soltos. O Tenente Rodrigues disse nesse dia, que iríamos sair da delegacia depois das 18h para não chamar a atenção dos transeuntes. Nossos parentes foram proibidos de irem nos receber. Que faria o sorteio e cada um de nós recebemos o nosso número. O primeiro número sorteado foi o n° 1, que era o que tinha caído para mim. Saí e fui direto para casa da mamãe onde estava minha esposa Lídia e meus filhos, o Carlinho e a Karla. Naquela noite, até de madrugada, contei para eles as principais ocorrências desse período de minha vida.
Em 1965, o Tribunal Militar de Juiz de Fora iniciou o processo contra o grupo de Cataguases. Contratamos o advogado Manoel das Neves Peixoto para nossa defesa e o Partido Comunista do Brasil arranjou mais dois advogados para nos defender que não consigo lembrar os seus nomes. A partir do início do processo, a cada 15 dias nós éramos convocados para comparecer no Tribunal em Juiz de Fora às 13h. Ficávamos por lá, conversando até às 16h30, quando aparecia um militar e lia para nós que seríamos convocados oportunamente.
Essa rotina durou até 1970, quando fomos absolvidos.
PS: Nosso pai não relatou em seu livro as torturas enquanto preso, talvez seja para nos preservar das violências a qual foi submetido. Em seu leito de morte, um de seus companheiros nos contou que enquanto preso, o fizeram engolir o jornal que escrevia.
Entrei para a política em minha cidade de Cataguases MG. Eu e minha esposa fomos eleitos vereadores nos períodos de:
Wilson Valverde de 1973 a 1977
Lídia Pereira Valverde de 1977 a 1982
Cataguases (MG), 12 de agosto de 2001
Criação e Desenvolvimento
Welington Carvalho