Eleições de 1947 - Invasão da Rádio Cataguases

Com a criação dos partidos nacionais, os dois chefes políticos se filiaram em partidos opostos: Pedro Dutra aliou-se nas fileiras do Partido Social Democrático – PSD e Manoel Peixoto na União Democrática Nacional – UDN e passaram a dirigir os diretórios municipais dos respectivos partidos.


Assim posicionados partidariamente, concorreram às eleições de 1947. As eleições municipais deste ano possuíam um significado especial para os dois lados: era a primeira eleição direta para prefeito. Pela primeira vez a população iria escolher diretamente seu chefe político e o administrador de seus negócios públicos. Vencer essa eleição significava a consolidação e efetivação de seu poder local. Mais do que isso, significava a legitimação desse poder, através do endosso direto da população.


Desde que o cargo foi criado, em 1930, para ser prefeito era necessário contar com o apoio do governador, já que era cargo de confiança, nomeado por ele. Agora, mais do que nunca, era necessário o apoio da população, através do voto. Mais do que o apoio do governador era o voto do eleitorado que iria dizer a quem caberia o direito de administrar e dirigir a política do município.


O candidato vencedor poderia dizer-se o “verdadeiro representante do povo”, já que seria escolhido diretamente por ele. Podemos sentir a importância que essa eleição assumiu para os dois chefes locais, que se lançaram nela, numa disputa que não media esforços, nem economizava meios para se chegar à vitória.


Pedro Dutra, como presidente do diretório municipal do PSD (Partido Social Democrático), lançou o nome de José Esteves para prefeito e Manoel Peixoto, chefe do diretório da UDN (União Democrática Nacional) no município, lançou o nome de seu irmão, João Ignácio Peixoto, para concorrer ao cargo.


Nessa atmosfera de paixões políticas acirradas foi que se desenrolou a campanha eleitoral de 1947, uma campanha apaixonada e agressiva, com troca de injúrias e acusações.


A oposição distribuiu boletins anônimos pela cidade, agredindo e satirizando a política de Pedro Dutra e criticando seu discurso de “protetor dos pobres” e “defensor dos trabalhadores”. Além disso, acusavam o chefe do PSD (Partido Social Democrático) de incitar o ódio dos operários, jogando-os contra os patrões.


A disputa entre os dois chefes nas eleições deste ano foi marcada pela contenda em torno do monopólio da utilização dos serviços de alto-falantes. A facção política chefiada por Manoel Peixoto, a coligação UDN-PR, possuía um serviço de alto-falantes que usava para fazer propaganda política e campanha eleitoral. Por outro lado, Pedro Dutra organizou uma sociedade anônima para explorar uma estação de rádio. Membros da facção oposta começaram a angariar assinaturas para o mesmo fim. Assim, os dois partidos passaram a disputar a autorização federal para a instalação de uma rádio emissora.


Pedro Dutra, devido à influência política que tinha na esfera federal, obteve a almejada concessão. Esse fato, por si só, serviu para irritar a facção oposta. Mas a contenda não parou por aí. A rádio também instalou alto-falantes em locais e horários conflitantes com os da coligação UDN-PR, em vários pontos centrais da cidade. A Rádio Cataguases, chamada “voz da liberdade”, funcionava das 9:00 às 22:00 horas e apesar de ter programações diversas, como programas musicais e de auditório, constantemente tinha seus programas interrompidos pelo seu proprietário, Pedro Dutra, que fazia seus discursos políticos sempre que julgava necessário.


Os dois lados utilizavam-se dos serviços de alto-falantes para fazer suas campanhas políticas e não raro, aconteciam provocações. O delegado Catta Preta diz em seu depoimento, que a rádio “incitava operários contra patrões”. José Carvalheira Ramos, deputado estadual pelo PR, também afirma em seu depoimento, que os correligionários de Pedro Dutra faziam repetidas provocações através da rádio, visando espantar os correligionários opositores das urnas. (Processo Crime, 1948. CAT-1-CR-nº 3034 Cx.149 – pp.110. Centro de Documentação Histórica – CDH)


A oposição, por sua vez, apelidou a rádio de “rádio pirraça”. O uso dos alto-falantes acabou sendo proibido, até que o Ministro da Justiça, Sr. Costa Neto, baixou uma portaria regularizando o caso e dando exclusividade do uso dos alto falantes às emissoras de rádio. Mais uma vez, a disputa eleitoral culminou nos tribunais.


Poucos dias antes das eleições, na noite de 15 de novembro de 1947, a rádio foi invadida pelo delegado adjunto, José Catta Preta, a mando de Manoel Peixoto, com o intuito de desligar os serviços de alto falantes e fechar a rádio. Como Pedro Dutra e outros que lá se encontravam resistiram à sua ordem, o delegado ordenou que seus homens atirassem, começando um tiroteio que levou à morte de um soldado. Foi aberto inquérito policial e o episódio terminou em processo judicial.


Pedro Dutra acusa o delegado e Manoel Peixoto de invasão de propriedade, uso de violência arbitrária por parte da polícia e lembra que a constituição garante a liberdade de pensamento e expressão. Os partidários da UDN-PR argumentaram que a lei que dá exclusividade ao uso de alto falantes às emissoras de rádio foi revogada e demonstraram indignação pelo monopólio desses serviços por parte do PSD. O delegado alega em sua defesa, que um grupo de pessoas exaltadas queria depredar os alto-falantes da rádio e que ele se sentia impotente para manter a ordem, por isso ordenou que a rádio interrompesse sua programação.

Já os correligionários de Pedro Dutra afirmam que esse “grupo exaltado” era formado por alguns mestres e operários das fábricas de tecidos que agiam sob orientação de Manoel Peixoto.


Nesse episódio podemos perceber também, através dos depoimentos das testemunhas, como a população se encontrava envolvida na disputa política de seus chefes. Envolvida e dividida. Como no processo anterior, as versões se opõem. Os partidários de Pedro Dutra, afirmam que a polícia invadiu a rádio e começou o tiroteio. Os partidários de Manoel Peixoto, contam que o delegado foi cumprir uma ordem e foi recebido à bala pelos “capangas” de Pedro Dutra que estavam “armados até os dentes” dentro da rádio. (Processo Crime, 1948 CAT-1-CR-nº 3034 Cx.149. p.110. CDH)


Contudo, apesar das divergências de opiniões, num ponto os dois lados concordam: o episódio teve sua origem num fato marcadamente político e a campanha eleitoral de 1947 ocorreu num ambiente bastante exaltado. A cidade se tornou um campo de batalha entre os dois grupos adversários, que utilizavam todos os meios para conquistar seu eleitorado e agora contavam (e disputavam) com um poderoso aliado: a tecnologia dos meios de comunicação.


Foto: Família Peixoto - Acervo Público - sem referência de data


Fonte: A disputa de grupos familiares pelo poder local na cidade de Cataguases – práticas, representação e memória

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Minas Gerais, pela Professora e Mestre em História, Odete Valverde Oliveira Almeida.

 


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