Militar revela detalhes de como o Exército deu fim ao corpo de Rubens Paiva e outros crimes secretos da ditadura.
Entrevistado pelo Intercept Brasil, o veterano paraquedista, militar Valdemar Martins de Oliveira prestou serviços de busca, apreensão e espionagem para o Exército durante a década de 1970 — alguns deles sob coação. Em alguns desses trabalhos, ele acabou testemunhando ou tomando ciência de crimes praticados pelos órgãos de segurança da ditadura. Lembranças que, segundo Valdemar, nunca o abandonaram. Uma delas envolve o destino dado pelos militares e aos restos mortais de Rubens Paiva do filme vencedor do Oscar 2025 – Ainda estou aqui. As versões conhecidas se alternam entre seu corpo ter sido enterrado na praia ou atirado ao mar ou num rio. De acordo com Valdemar, Paiva foi arremessado ao mar com um peso amarrado ao corpo: “uma roda de caminhão”.
Dois de seus colegas de regimento – Jurandyr Ochsendorf e Souza e Jacy Ochsendorf e Souza – participaram da ação de ocultação do corpo em janeiro de 1971, sob ordens de Paulo Malhães, chefe da equipe. Jurandyr lhe contou que o corpo de Paiva foi levado no mesmo dia da morte por um barco da Marinha.
Meses depois, os irmãos Ochsendorf seriam agraciados com a ‘Medalha do Pacificador’, honraria igualmente concedida pelo Exército ao assassino do deputado, o tenente Antônio Fernando Hughes de Carvalho, ligado ao Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica, CISA. “Rubens Paiva já chegou quebrado ao 1º BPE [sede do DOI-Codi/RJ], vindo do CISA. Fernando Hughes terminou o serviço”, afirma.
Valdemar conta que resolveu falar por não ter mais medo de ameaças à sua família e, por isso, prefere contar o que sabe. “Fiquei calado por muito tempo. Dizem que a pena máxima é 30 anos, mas estou numa prisão há 50 anos”, desabafa.
O militar e o ex-preso político: Valdemar Martins depõe na Comissão da Verdade ao lado de Ivan Seixas, em 2013.
Cinco denunciados, nenhum condenado.
Em 2014, o Ministério Público Federal denunciou cinco envolvidos, por formação de quadrilha armada, fraude processual, homicídio doloso e ocultação do cadáver de Rubens Paiva. Entre eles, além de Jurandyr e Jacy Ochsendorf, Rubens Paim Sampaio, que integrou o Centro de Informações do Exército no Rio, José Antônio Nogueira Belham, ex-comandante do DOI-Codi/RJ, e Raymundo Ronaldo Campos.
Outros acusados, como o Tenente Antônio Fernandes Hughes de Carvalho, o Chefe da Equipe Fernando Malhães e o Capitão Freddie Perdigão Pereira, que também teriam participado do crime, já havia morrido na época da denúncia.
Em fevereiro deste ano, o assassinato do deputado foi um dos três casos concretos analisados pelo Supremo Tribunal Federal, STF, durante a discussão se a Lei de Anistia deve valer para crimes permanentes e graves violações de direitos humanos — a Corte formou maioria para reconhecer que há repercussão geral.
Para o ex-preso político Ivan Seixas, ex-membro da Comissão da Verdade do estado de São Paulo – Rubens Paiva e consultor da Comissão Nacional da Verdade, as declarações do ex-militar são um importante resgate de informações sobre as ações repressivas do período. “O fato de ele ter a disposição de falar tem de ser valorizado. Ele já mostrou que se opôs às mortes”, avalia. “Na Argentina não há um documento que prove nada, tudo é baseado em depoimentos, e ainda assim condenaram os culpados”.
Até hoje, ninguém foi condenado pela morte de Rubens Paiva.
Fonte: Sergio Barbo - The Intercept Brasil, 02.03.2025
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Welington Carvalho