Pedro Dutra X Manoel Peixoto na Revolução de 1930
Pedro Dutra sucedeu ao pai, Astolfo Dutra, na chefia política municipal. A oposição à sua liderança acirrou-se em 1930, por ocasião do movimento revolucionário, quando os políticos locais se dividiram a favor e contra o movimento e aumentou ainda mais, com a sua atuação na direção política e administrativa do município.
Manoel Peixoto, industrial na cidade, sentindo seus interesses ameaçados pela administração de Pedro Dutra passou a liderar a facção política rival, dando início a uma oposição cerrada e sem tréguas.
Temos assim dois chefes políticos em disputa: de um lado Pedro Dutra e de outro Manoel Peixoto. Essa disputa consolidou-se na primeira campanha eleitoral deste período, em maio de 1933, nas eleições para escolha dos membros da Assembleia Nacional Constituinte.
Pedro Dutra exonerou-se do cargo de Prefeito para candidatar-se, pelo Partido Progressista, a uma vaga na Assembleia e iniciou sua campanha política.
Manoel Peixoto, por sua vez, entrou na campanha apoiando a candidatura de Virgílio de Mello Franco. (Político e jornalista teve participação política na época do início do Governo Vargas, sendo inicialmente apoiador do presidente e depois trabalhando como oposição, assim que perdeu uma disputa política por causa da nomeação de Benedito Valadares para um cargo de destaque em Minas Gerais. Sempre dedicado à vida política, foi morto no Rio de Janeiro, em 1948 em um assassinato cometido por um ex-empregado seu. As resoluções do crime até hoje não foram esclarecidas).
A disputa eleitoral tem início, mais uma vez, no alistamento.
Os dois chefes criaram comitês pró alistamento e “bureaux” eleitorais pela cidade, funcionando dia e noite, inclusive aos domingos e feriados, e passaram a disputar os eleitores “um a um” e “palmo e palmo”.
A oposição chegou a telegrafar ao Presidente do Estado dizendo necessitar de garantias para fundar partido e alistar eleitores e acusava o Prefeito de fazer ameaças às pessoas que assinaram suas listas de alistamento.
Por outro lado, Pedro Dutra procura demonstrar que seus adversários não agiram bem e para demonstrar isso, publica a seguinte carta:
“Meu prezado amigo Pedro Dutra,
Pela presente vimos declarar a V.S. que assinamos o manifesto dos nossos adversários por nos ter ocultado a intenção dos diretores da política adversária, pois somos seus amigos e correligionários políticos e votaremos com o partido sob sua direção. Fazemos essa declaração para que nossa atitude nesta questão fique plenamente esclarecida e não possa merecer dúvida no espírito de quem quer que seja. (seguem as assinaturas).
(Jornal Cataguases, 18.12.1932)
A oposição procurava alistar muitos cidadãos para mostrar ao governo do estado que a população era adversária de seu prefeito, que deveria, portanto, perder o cargo.
O prefeito, por sua vez, também procurava alistar muitos eleitores, para comprovar seu prestígio e sua força política perante o presidente do estado.
Enfim, “a oposição alistava para derrotar o Prefeito e este alistava para defender-se.” (Jornal A Nação, RJ. 26.05.1933 p.2 anexo ao Processo Crime, 1933 CAT-1-CR-nº 2.634. Cx.127 vol. 5 CDH)
Ambos procuravam demonstrar sua força através dos números: Manoel Peixoto garantia o alistamento de mais de 4.000 eleitores. Pedro Dutra afirmava que a oposição não dispunha de 3.000 eleitores, enquanto ele arregimentava mais de 6.200 eleitores. Para ambos os lados, a vitória eleitoral estava garantida.
Nesta briga, acusações eram trocadas por ambos os lados: Manoel Peixoto acusa o Prefeito de ter falsificado recibos eleitorais, alistado eleitores de outros municípios, utilizando declarações falsas, gastado dezenas de contos de réis com alistamento eleitoral de seu partido e triplicado o número de funcionários para fins eleitorais. Pedro Dutra devolve as acusações denunciando a oposição por ter utilizado cerca de mil recibos falsos, alistado eleitores “de fora” e praticado outros atos ilícitos.
Os dois chefes em contenda disputavam ainda, o apoio do Presidente do Estado, Olegário Maciel (Foi um dos líderes da Revolução de 30 que conduziu Getúlio Vargas ao poder no Brasil).
Cabe lembrar aqui que o cargo de Prefeito era nomeado pelo Presidente do Estado, portanto, para obter a direção do município era necessária sua indicação. Segundo consta num Boletim Eleitoral de 12 de abril de 1933, numa reunião do Partido Progressista em Juiz de Fora foi firmado um acordo com Olegário Maciel, segundo o qual a oposição ficaria com a direção do município se ela conseguisse levar às urnas, nas eleições do dia 03 de maio, os 4.300 eleitores que ela diz ter alistado. Ou seja, quem conseguisse provar seu prestígio, obtendo a maioria dos votos, ser-lhe-ia entregue a administração e a política local. Nesta reunião, ficou acertado ainda, a vinda de um delegado militar para assistir o pleito de 03 de maio.
Podemos perceber, portanto, o grau de exaltação de ânimos que tomou conta das eleições daquele ano, bem como a polarização política e a atmosfera tensa e conflitante que envolveu a cidade de Cataguases. Foi nesse clima de paixões políticas acirradas que a população foi às urnas. Os dois chefes espalharam fiscais por todas as seções e marcaram vigilância cerrada. Os cabos eleitorais conheciam todos os eleitores e, mesmo não podendo diferenciá-los pelas cédulas, todos sabiam de que grupo era cada eleitor que votava.
Incidentes eram comuns nas seções eleitorais. Um eleitor, correligionário de Manoel Peixoto, narra em seu depoimento que, ao se dirigir à sua seção, no distrito de Laranjal, foi abordado por um correligionário de Pedro Dutra que lhe disse para “andar muito direito” e não conversar muito. Joaquim Freitas, o tal correligionário de Pedro Dutra, declara que, como Floriano Gama, seu adversário político, estava na seção arranjando eleitor, ele pediu, como fiscal eleitoral, que procedesse direito porque poderia pedir à mesa para tomar as providências cabíveis. (Processo Crime, 1933. CAT-1-CR-nº 2.634. Cx. 126. Vol.2. pp.177, 178, 192. CDH)
Esse pequeno incidente nos dá uma amostra do clima tenso que dominou as eleições daquele ano em Cataguases. Ocorre que o término das eleições não significou o relaxamento das tensões. Um dia após o pleito, em 04 de maio, Pedro Dutra sofreu uma tentativa de homicídio. Com isso, a disputa iniciada nas eleições continua nos tribunais.
Pedro Dutra abre um processo e acusa Manoel Peixoto de mandante do crime. Descreve os últimos acontecimentos políticos na cidade, fala sobre o ódio que o industrial alimenta contra ele e sobre a “indigna” campanha de seus adversários, liderada por Manoel Peixoto, visando pleitear a direção do município junto ao governo do estado. Afirma que eles não puderam levar às urnas os quatro mil votos prometidos e, não conseguindo derrotá-lo nas eleições, trataram de eliminá-lo fisicamente.
Theodoro Silva, vulgo Baiano, o autor material do atentado, em suas primeiras declarações, afirma ter sido contratado por Manoel Peixoto para matar Pedro Dutra, caso ele vencesse as eleições e deveria realizar o serviço logo após o pleito, pois, segundo seus cálculos, Pedro Dutra venceria, pois possuía maior número de eleitores.
Manoel Peixoto, em seu depoimento, confirma que é inimigo pessoal e político de Pedro Dutra, mas que não tentaria matá-lo por forma indireta, podendo, contudo, fazê-lo diretamente. O acusado se diz vítima de uma emboscada político-partidária e sustenta a ideia da “farsa” do atentado, que teria sido armado por amigos e correligionários de Pedro Dutra, ou por ele mesmo, para explorar politicamente a situação. Afirma ter ganhado as eleições e diz que, diante da vitória eleitoral, um episódio como esse só serviria para prejudicar a oposição e deixá-lo mal junto ao Presidente do Estado. Para ele, a farsa teria sido um “artifício político destinado a suprimir com a liberdade e a honra de um grande chefe (...) capaz de levar às urnas vários milhares de votos e hoje consegue congregar 2/3 do eleitorado de Cataguases.” (Processo Crime, 1933. CAT-1-CR-nº 2.634 Cx. 126 Vol. 3. P. 587. CDH)
A troca de acusações entre os dois contendores continua ao longo do processo: Pedro Dutra reafirma sua vitória eleitoral, diz ser o político do estado que maior votação deu à legenda de seu partido e que seus adversários só levaram às urnas aquele número de votos porque subornaram cabos eleitorais. Acusa Manoel Peixoto de “suborno pelo ouro” e de pagar edições em jornais com o dinheiro que “arranca às lágrimas e privações notórias de seus operários”. (Processo Crime, 1933. CAT-1-CR-nº 2.634 Cx. 127 Vol 6 p.1.031. CDH)
Um fato que nos chama a atenção através desse episódio é como a disputa entre os dois chefes políticos acabou por envolver a população local. Num clima de acirradas disputas políticas, como o que a cidade estava vivenciando é muito difícil, senão impossível, permanecer “neutro”.
Nesse processo isso aparece de forma clara: as testemunhas são sempre correligionárias de um ou de outro lado. O “homem comum”, o “homem do povo” começa a aparecer na cena. Depoimentos de barbeiros, padeiros, comerciários, lavradores, começam a se avolumar. Sempre tem alguém que “ouviu dizer” algo ou viu alguma coisa, que ouviu uma conversa ou conhece alguém que sabe sobre o assunto. Cria-se uma rede que acaba envolvendo inúmeras pessoas. O que se percebe através de todos esses depoimentos é o “burburinho”, os rumores, as paixões acirradas e a exaltação de ânimos que tomou conta da cidade.
Assim, a disputa entre os dois chefes se estende para a população, que se divide em pró Dutra ou pró Peixoto, formando duas correntes opostas. Era comum encontrar correligionários exaltados das facções opostas, enfrentando-se em discussões pelas ruas e bares da cidade. Até mesmo no caso do atentado sofrido por Pedro Dutra, podemos observar essa polarização política refletida na população local. Para os correligionários de Pedro Dutra, a versão tida como verdadeira é que Manoel Peixoto mandou matá-lo por motivos políticos – “como não venceram pelas urnas, querem vencer pelas balas” (Processo Crime, 1933. CAT-1-CR-nº 2.634 Cx. 126 Vol. 4. P.4. CDH) – e que não foi preso porque era rico".
Para os correligionários de Manoel Peixoto, a versão que prevaleceu como verdadeira foi a “armação”, a “farsa” do atentado, para exploração política com intuito de prejudicar o seu chefe. Portanto, a cidade se polariza: ou se era “Pedrista” ou se era “Peixoto”, refletindo a disputa político eleitoral e agora também, judicial, de seus chefes. Essa polarização vivida pela população cataguasense, não se restringiu às eleições de 1933 e ao caso judicial. Ela acompanhou toda a trajetória política dos dois chefes, ou seja, enquanto Pedro Dutra e Manoel Peixoto estiveram no cenário político do município, existiram “pedristas” e “peixotos”.
Com a cidade dividida, pressões e perseguições eram comuns de ambos os lados. Um processo de habeas corpus narra que, no distrito de Astolfo Dutra, durante um comício de Manoel Peixoto, um grupo exaltado quis forçar um cidadão a dar vivas ao chefe político e, não tendo o dito cidadão obedecido, deram-lhe voz de prisão.
Num outro habeas corpus, de 1936, Pedro Dutra alega perseguição política por parte do tenente da polícia e delegado especial, José Lopes de Oliveira, “cabo eleitoral número 1 de Manoel Peixoto”, que tem praticado “toda sorte de violências e arbitrariedades” contra seus amigos e correligionários.
Esses processos deixam transparecer o clima político conflitante vivido na cidade e como a disputa política envolveu a população – do simples trabalhador rural às autoridades locais – e até mesmo suas instituições, que muitas vezes eram acionadas em defesa de interesses político eleitorais de um grupo ou de outro.
Como podemos ver, neste período, a disputa entre os dois chefes – Manoel Peixoto e Pedro Dutra – pelo poder político local, iniciou no alistamento e culminou nos tribunais e envolveu toda a cidade e sua população.
Vimos também a importância do alistamento, como momento privilegiado dessa disputa e o seu peso no processo eleitoral, já que – pelo menos no contexto aqui tratado – o alistamento poderia decidir uma eleição.
Este fato pode ser comprovado na disputa eleitoral de 1933: Manoel Peixoto diz ter alistado cerca de 4.000 eleitores. Seu candidato Virgílio de Mello Franco, obteve 3.851 votos no município, o que mostra pouca variação do quadro do alistamento para as eleições. Podemos detectar ainda, através dos processos, algumas práticas utilizadas nessa disputa eleitoral, como: falsificações, alistamentos ilícitos, subornos, pressões e ameaças, o que vem a comprovar a literatura sobre o assunto e mostrar que essas práticas não se extinguiram com a Revolução de 30.
Foto: Getúlio Vargas e sua comitiva, após obter êxito na Revolução de 1930. Foto: Claro Jansson.
Fonte: A disputa de grupos familiares pelo poder local na cidade de Cataguases – práticas, representação e memória
Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Minas Gerais, pela Professora e Mestre em História, Odete Valverde Oliveira Almeida.