Meninim Mijão

Diz-que, aos seis anos, o Duque Godofredo III fugiu do palácio paterno e saiu vagabundeando pelos velhos quarteirões de Bruxelas. O menininho –  que, com  moedas afanadas da governanta, bebera bastante “faro”, a popular cerveja belga –  só foi encontrado tempos depois, na esquina da rua de l´Etuve e rua du Chene. E vertia água copiosamente, naquela mesma pose e local onde ainda hoje se acha o Manneken-Pis, o famoso Manequinho de Bruxelas que, dizem, simboliza o feliz desfecho do episódio, ocorrido a poucos metros da Grand Place, no coração da cidade. Como essa, muitas são as histórias em torno do Manneken-Pis – “menino mijando”, no idioma flamenco. Há os que o tinham como obsceno, e corre que o papa Benoit XIV chegou a condená-lo a verter água eterna e ininterruptamente – o que nada mais era que a glória por ele almejada.


Construída em 1619 pelo escultor Jerôme Duquesnoy, a irreverente estatueta tornou-se ponto de atração turística, figura amada por toda Bruxelas, recebendo roupas de reis, presidentes e celebridades: há no Museu Colonial um armário guardando mais de 250 das peças de seu vestuário. A primeira delas surgiu em 1698, um manto azul à moda da Bavária, ofertada pelo soberano holandês. Luís XV presenteou-o com uma veste em brocados de ouro, que se completava com a espada de cavaleiro da ordem de São Luís. A cada horda que invadia a cidade, ganhava  o Manequinho roupas ou ornamentos suplementares. Napoleão o promoveu a Marquês no século XVIII; em 1816, a Casa de Orange lhe ofertou o uniforme do exército real; em 1830, ele portava a camisa azul que sucedeu à echarpe tricolor do novo Estado Belga.


Ao longo dos séculos, o Manneken-Pis  transformou-se no “amigo do povo” e foi condecorado por reis e príncipes, coberto de honrarias e distinções civis e militares. E algumas vezes roubado e reposto. Como também roubado, nos anos 80,  e depois reposto, foi o Manequinho carioca, cópia realizada em 1902 por Belmiro de Almeida e colocada na Praia de Botafogo, na então Capital Federal. Em 1957, estreando no ataque do Botafogo de Futebol e Regatas, Mané Garrincha marcou um gol histórico e foi o artífice dos outros cinco da goleada de 6 a 2 contra o Fluminense.  Na comemoração do título, num gesto que seria desde então tradicional, a torcida colocou a camisa do Botafogo no Manequinho, transformado em mascote-símbolo do clube. Agora em 2002, entre imóveis e monumentos, a estatueta foi um dos 54 bens tombados com a criação da Área de Proteção do Ambiente Cultural de Botafogo.


Bruxelas-Rio-Cataguases. Esta cópia do Manequinho belga guarda as características da cerâmica de Santo Antônio do Porto, que foram recorrentes no Brasil da segunda metade do século XIX. Vinda de Portugal, ela chegou a Cataguases provavelmente na virada do século passado, sob encomenda do Coronel João Duarte, para ornamentar os jardins da Chácara que estava erguendo – e há décadas era dada como perdida. No ano 2000, quando do restauro desta propriedade, o Manequinho foi localizado no Almoxarifado Municipal, e entregue à guarda da Fundação Cultural Ormeo Junqueira Botelho. Sob orientação do Secretário Estadual de Cultura, Angelo Oswaldo, contactou-se para restauração da estatueta o Instituto do Patrimônio Histórico de Minas Gerais - IEPHA-MG. Coordenado por Vânia Pereira, o trabalho de recuperação do Manequinho, que se encontrava extremamente danificado, durou cerca de dois anos. Hoje, ele retorna à Chácara com a incontinência de seu pipi centenário.


Ronaldo Werneck

Inauguração do Museu 

Chácara Dona Catarina

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