O clientelismo também se fez presente e a distribuição de favores em troca de apoio político tornou-se uma prática bastante comum em Cataguases.
Pedro Dutra, como chefe político, recebia inúmeros pedidos desde ajuda financeira e empréstimos, até remoção de funcionários, nomeações, efetivações, transferências de professores, cartas de apresentação e, principalmente, pedidos de emprego. São solicitações de parentes, amigos e correligionários para si ou para terceiros.
Todos apelam ao chefe no sentido de usar sua influência política junto ao governo estadual ou autoridades competentes, interferindo a favor do “seu caso”:
“(...)Na minha carta pedia para arranjar o lugar de dentista dos bancários do Banco do Brasil em Belo Horizonte. Peço ao amigo me arranjar uma colocação qualquer a fim de que possa melhorar minha situação econômica ou uma colocação para minha mulher que é professora. Jose Romero, 22.09.1949” (Correspondências pessoais de Pedro Dutra – Centro de Documentação Histórica – CDH)
Pedro Dutra, por sua vez, procurava atender a todos. As autoridades respondiam às solicitações do chefe pessedista de Cataguases:
“De ordem do presidente da República, envio à V.Excia. cópia da informação prestada pela Caixa Econômica Federal do Rio de Janeiro, relativamente à promoção do funcionário Edberto Dutra. Atenciosamente. Paulo Lyra, subchefe do Gabinete Civil”. Rio de Janeiro, 31/01/1948.
Toda essa correspondência deixa transparecer de forma muito clara, o sistema de rede clientelar montado nas relações políticas, envolvendo, desde o eleitor mais simples até as maiores autoridades políticas da esfera estadual ou mesmo federal.
O “notável” que tem o trato privilegiado com o poder político, serve de elemento de ligação do poder com a sociedade civil e com seus clientes, a quem dispensa proteção e ajuda, em troca do consenso eleitoral. Pedro Dutra, na qualidade de chefe político local, ocupando esse papel intermediário entre seus correligionários e as autoridades estaduais. Contudo, todos se encontram presos a essa rede: o eleitor porque precisa do “favor”, o chefe porque precisa de seu voto e as autoridades estaduais porque precisam do apoio político do chefe e dos votos que ele carrega consigo. Tudo isso acaba prendendo os envolvidos numa rede de fidelidades mútuas, onde todos se beneficiam de alguma forma.
Esses favores prestados pelo chefe, normalmente são pagos através do apoio eleitoral. Nas cartas, junto aos pedidos, muitas vezes vinha algo como:
“... tenho feito de minha parte o que posso e todos daqui estão interessados muito pela tua vitória. Hoje cabalei uma eleitora...”
“... peço informar-me se vai candidatar a deputado (...) para pedir mais uma vez os favores dos amigos que mais prestígio do que eu e aos colegas de luta pela campanha tua...”
(Correspondências pessoais de Pedro Dutra. Carta de Alice 01.01.1933 e carta de Saul 25.04.1958. CDH)
Pedro Dutra também cobra a fidelidade política. Em uma resposta a um pedido de ajuda financeira, encomenda a um amigo o favor de visitar os pedintes, dizer em que estado se acham e o que é possível fazer por eles. No entanto adverte:
“são parentes que jamais me deram um voto ou me emprestaram qualquer ajuda política.”
(Correspondências pessoais de Pedro Dutra – CDH)
Votar em seu protetor ou benfeitor não é apenas uma forma de pagar um favor prestado. É mais do que isso. É também um jogo de interesses. É dar o poder a alguém que poderá lhe prestar mais favores futuros, afinal, “ele lá vai poder fazer isso ou aquilo por mim”.
Por outro lado, o chefe político procura atender as solicitações de seus correligionários para garantir o seu apoio e os votos de que precisa para mostrar e manter sua força política. É esse jogo de interesses que alimenta a rede clientelar. O rompimento dessa rede pode trazer sérios danos ao chefe.
Pedro Dutra criticando a atuação política de seu prefeito José Esteves, eleito por ele em 1955, se diz desiludido com sua administração e enumera os motivos, entre eles está justamente o rompimento de compromissos entre o chefe e seus correligionários:
"A família Abrita é, no Cataguarino, com a família Cândido Silva, o sustentáculo de nossa política. Pois bem, você pouco tempo depois exonerou o genro do Marcelino Abrita. Resultado: essa gente está magoada comigo. Quem perde com isso não é você, mas o PSD que o elegeu com enormes sacrifícios de toda a ordem.
“nas vésperas de sua eleição (Jose Esteves) assumimos compromisso com o pessoal do Cândido Silva de construirmos uma estrada para automóveis de sua fazenda até Cataguarino. Depois de três anos você diz que não construirá aquela via pública. O resultado disso foi perdermos 80 eleitores num distrito onde ganhamos a eleição por 4 votos apenas. Somando-se a perda dos votos da família do Marcelo Abrita com as da Cândido Silva, você verificará que acabou em definitivo com a possibilidade de vencermos a eleição naquele distrito.” (Processo Crime, 1958. CAT-1-CR-nº 3336. Cx.163. pp.66-67. CDH)
Os casos parecem intermináveis e demonstram muito bem a importância e o peso das práticas clientelistas numa disputa eleitoral. A habilidade e a perspicácia para lidar com os vários interesses em jogo podem determinar a vitória numa eleição, ou ao contrário, a sua derrota.
A disputa eleitoral em Cataguases, desde os primórdios da República e em especial no período – décadas de 1930 e 1940 – nunca foi um episódio tranquilo. Pelo contrário, sempre esteve marcado por acirradas competições e rivalidades, onde os chefes adversários utilizavam-se de todos os artifícios que tinham em mãos, objetivando a vitória eleitoral.
Assim, falsificações, subornos, coações, ameaças, compra de votos, clientelismo, foram algumas das práticas que caracterizaram a disputa no campo eleitoral. Disputa essa que ultrapassou a esfera das urnas e se fez presente também no campo das representações políticas.
Foto: Jose Esteves,1955 - sem autor - Acervo de Maria do Carmo Esteves Valverde
Fonte: A disputa de grupos familiares pelo poder local na cidade de Cataguases – práticas, representação e memória
Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Minas Gerais, pela Professora e Mestre em História, Odete Valverde Oliveira Almeida.
Criação e Desenvolvimento
Welington Carvalho