Uma história que ainda não foi contada direitinho
O que aconteceu no Brasil a partir de 31 de março de 1964 foi contado, e continua sendo contado sempre, pelos acontecimentos dos grandes centros urbanos. As coisas se decidiam no plano político nas cidades como o Rio de Janeiro, que já tinha sido Capital Federal, São Paulo, capital econômica do país, Belo Horizonte, com sua tradição de militância política, (vide Tiradentes) e Brasília, a capital do país.
O que aconteceu em Cataguases?
Das poucas cidades pequenas do Brasil, o município de Cataguases foi um dos primeiros que tiveram seus líderes sindicais procurados e presos logo na própria data da eclosão militar liderada pelo General Olympio Mourão Filho, da 4ª Região Militar do Exército, em Juiz de Fora.
Em Cataguases já tinha gente presa antes das tropas do General Olympio sair de Juiz de Fora em direção ao Rio de Janeiro. Foi quando começou a caça às bruxas na cidade. Uma das correntes da política municipal era liderada por capitães de indústria que viam nas ações de alguns sindicalistas uma ameaça à estabilidade de suas fábricas de fiação e tecelagem e todo o conjunto de empresas atreladas a essa atividade.
Quem delatou?
Os empresários, os donos das fábricas, achavam um absurdo os empregados exigirem direitos trabalhistas. Achavam que gerar empregos era o suficiente para ser aclamado como o melhor patrão do mundo. Quem pensasse diferente era taxado como “comunista”. A maioria não sabia o que significava aquela palavra. Mas era a palavra que as forças econômicas que defendiam o desrespeito à Constituição Federal, à Consolidação das Leis do Trabalho e outras conquistas dos trabalhadores usavam.
Assim que os militares tomaram assento no Poder começaram as delações em Cataguases. Tinha a delação em que o “patrão” chegava e determinava: “Você entrega fulano”. Muitas vezes esse se recusava delatar alegando não ter nada contra ele. “Quem defende comunista é comunista também”, era o argumento.
E os dedos-duros?
Em muitos casos os mais medrosos, para salvar a pele, deduravam sem medir as consequências históricas. Sem contar os dedos-duros voluntários, doidos para agradar os poderosos da cidade. E tudo isso está escrito, inesquecivelmente, na história dos perdedores. Toda a gente sabe quem eram esses indignos.
Caos em Cataguases
Quando a polícia política começou a procurar os sindicalistas de Cataguases foi um deus-nos-acuda. Teve “comunistas” se escondendo aterrorizados. Não teve jeito: foram todos presos ou indiciados.
Alguém escapou?
Dois deles conseguiram se safar. Um foi o trabalhador rural, Teófilo Anselmo (Machado), fugiu para o Distrito de Aracati, pulou no Rio Pomba e sumiu. Outro foi o Zé Recreio, funcionário do Banco do Brasil, que se vestiu de mulher, colocou uma trouxa de roupas na cabeça e saiu da cidade com certa tranquilidade.
Presos cataguasense
Foram presos Rubens Policastro Meira, dono da ORTEC, um escritório de contabilidade; Nanto Furtado Siqueira, funcionário do INSS; Jose Rosa Filho, sindicalista; Itamar Barbosa, marceneiro; Gilson Fernandes Chagas, funcionário do antigo SAPS (Serviço de Abastecimento da Previdência Social); Joaquim Ladeira, operário; Euplinio Simplício, carpinteiro; Manoel Queiroz Manoir, sapateiro e Wilson Valverde, comerciante.
Processados
Evaristo Garcia de Matos; Antonio Ribeiro Barroso, agrimensor; Alaor Bagno, funcionário do Banco do Brasil e Teófilo Anselmo, trabalhador rural, não foram presos, mas responderam processo na Justiça Militar, em Juiz de Fora.
Olavo da Silva Marques, Presidente do Sindicato dos Ferroviários; Mario Bagno, Mestre de tecelagem na Indústria Irmãos Peixoto; Alfeu Araújo, comerciante e Elmo Furtado de Siqueira, professor, foram detidos, mas não responderam a nenhum processo.
O apagão em Cataguases
Reza a lenda que quando iam levar os presos políticos para a prisão em Juiz de Fora, costumavam dar um blackout na cidade, desligando a energia elétrica e gerando um grande apagão. Era um terror. Em outros dias, quando as luzes eram apagadas, toda a gente já imaginava que mais um “comunista” estava sendo levado para a prisão. O que nem sempre era verdade.
Os absolvidos
Em novembro de 1967, em plena ditadura militar, os “comunistas” de Cataguases foram julgados pela Justiça Militar, em Juiz de Fora. Foram todos absolvidos por falta de provas. Vale registrar que um dos corajosos advogados dos comunistas de Cataguases, foi Manoel das Neves Peixoto.
Disputa Política?
Os comentários da época eram que a Justiça Militar constatou que se tratava de uma briga doméstica. Uma disputa política municipal que os poderosos da cidade queriam traduzir como uma luta ideológica de esquerda. Era coisa de Peixoto contra Pedro Dutra.
A história do Golpe de 1964 nos pequenos municípios do Brasil
Haverá de aparecer um historiador que se interesse por essa fase da história do Brasil. Pela história que vem das cidades menores. Sessenta anos se passaram e nada ainda foi contado direitinho.
Os livros oficiais não registram esses momentos tenebrosos da vida cataguasense. A história de homens que foram delatados, perseguidos, presos, torturados, julgados pelos militares, absolvidos por falta de provas e que não podem ser esquecidos em suas lutas no momento em que o país passa mais uma vez por dias difíceis.
Os delatores, os dedos-duros, e outros voluntários bajuladores dos opressores não serão lembrados, e nem merecem sê-los, por já estarem mortos e sem direito de defesa. Eles jazem numa história que ainda não foi devidamente escrita.
Para não ferir suscetibilidades dos descendentes, cujas relações sociais são plenas, os poucos que ainda guardam na memória esses acontecimentos preferem deixar pra lá e não falarem nada. E tudo fica como dantes no quartel de Abrantes. O melhor é esquecer!?
Washington Magalhães é mineiro de Cataguases, nascido em 15 de novembro de 1950. Jornalista arrependido optou por escrever livros. “Dá para explicar melhor a coisa”, ele acha. Trabalhou em publicações de esquerda na década de 70. Suas mais recentes obras são “O Colecionador de Desaforos” – o homem que levava desaforos para casa; Nossa Gente – Um perfil do Povo de Cataguases; Centenário da Ponte Velha – 1915-2015; Estórias Pitorescas de Cataguases; POMBA – Um rio Meu / Seu / Nosso. E agora, relembrando coisas de um passado que ainda perdura na memória de muitos. Era assim, ERASSIM. Era mesmo. Cabe registrá-lo.
Criação e Desenvolvimento
Welington Carvalho