Minha família é de Astolfo Dutra, antigamente era Porto de Santo Antônio. Meus pais Aristides Magalhães Pereira e Carolina Maria de Jesus. Eu nasci em 1925, estudei no Grupo Guido Marlière até o 3º ano, parei de estudar para ajudar minha mãe.
Comecei a trabalhar na Indústria Irmãos Peixoto aos 14 anos – fui criada dentro da fábrica por 32 anos. Não me arrependi de ter parado de estudar, porque eu gostava muito de trabalhar na fábrica. Tive que trabalhar mais 2 anos para pagar o INPS (Instituto Nacional de Previdência Social) porque quando eu ficava doente, aqueles dias eram descontados. Quando me aposentei, eu fiz uma festa, convidei os operários para tomar uma cervejinha na minha casa.
Em 1944, o Sr. Mota conseguiu com o Sr. Manoel Peixoto uma casa da Indústria Irmãos Peixoto para minha família morar – ficava na Rua José Hardy Ramos - moramos ali por 43 anos - de 1944 a 1987. Em 1960, a empresa começou a pedir a casa de volta, me ofereceram a casa para comprar no valor de 100 cruzeiros naquela época. Eu queria comprar, mas meu dinheiro era pouco. Foi um erro que fiz na minha vida! Eu aposentei com um salário mínimo e não dá para comprar um imóvel. Trabalhei esses anos todos e não tenho nada! Só tenho minha aposentadoria: eu vivo com a minha aposentadoria.
Na época que me aposentei o Dr. Francisco era uma pessoa muito boa para os operários. Eu aposentei em 1972, mesmo aposentada eu continuei na casa porque o Dr. Francisco, o Sr. Emanoel, o Sr. Altamiro e o João Peixoto eram muito bons para os operários. Eu não tenho nada a dizer da família ‘Peixoto’ porque eles foram muito bons para mim!
Eu entrei na fábrica em 1939, trabalhei muitos anos na tecelagem, o Onofre Correa era o mestre (encarregado) e o contramestre (consertador de máquinas) era o Neném (não sei o nome dele). Mudei de lugar porque adoeci - problemas nos rins, eu acho. Fui trabalhar nos carretéis encarregada da maquininha de espularia. Depois fui para a sala de panos, uma sala para revisar e outra para cortar os tecidos e depois despachar. Na fábrica, a gente trabalha 8 horas por toda a vida e tem que dar produção em qualquer lugar. Na sala de pano se tiver defeito nos tecidos tem que cortar e separar os panos com e sem defeitos. Os panos sem defeitos vão para alvejar e, posteriormente, despachar.
Teve uma época, que os operários usaram uniforme: saia azul, blusa branca, tênis branco, meia branca, com um escudo no braço. Depois de um tempo acabaram com esse uniforme – acho que ganhávamos o uniforme, não me lembro. Usávamos o uniforme para desfilar. O João Peixoto trouxe uma pessoa, para filmar Cataguases dentro da Indústria e eu estava com o uniforme. Nos dias 1º de maio e 07 de setembro tinha desfile. Saía da Indústria Irmãos Peixoto, Manufatora, Industrial, o Colégio das Irmãs e os Grupos Escolares. Tinha banda de música de Cataguases e era muito bacana!
Quando fui eleita para ser Rainha dos Operários em 1945, a escolha foi feita dentro da fábrica. Minha mãe não gostava e não me deixava ir a bailes. Uma senhora chamada Lourdes Peixoto – foi candidata, e os colegas me arrumaram para ser candidata. Eles que venderam votos para mim. Eu não vendi nenhum voto. Aquela que tinha mais votos vendidos, ganhava. Eu ganhei como rainha com a venda de votos dos(as) minhas colegas. Fui coroada no Clube dos Operários – houve um baile muito bonito! O João Peixoto que organizava tudo, ele gostava de fazer festas para os operários
Dia 13 de maio tinha o bate-pau para lembrar dos tempos do cativeiro, era uma festa muito bonita também.
Também tinha a festa dos “pracinhas” no Clube dos Operários. A música parou, chegou o Pedro Dutra e o Zé Esteves junto com os pracinhas e tiramos uma foto.
Trabalhei muito com política com o Sr. Manoel Peixoto e o João Peixoto que foi prefeito. Na casa do Dr. Geraldo, eu trabalhei dobrando e entregando cédula. Depois de tudo dobrado, entregamos nas casas. Eu trabalhei com a Minalda Simões e o Adail. Eles tiravam uma turminha para fazer o serviços para eles. Tinha a folha do prefeito e a dos vereadores. O eleitor já levava a cédula para votar. Fui cortada da fábrica por causa da política... alguém me acusou de dobrar as cédulas marcando com batom para o outro candidato, mas não era verdade. Eu chorei muito, porque eu gostava de trabalhar na fábrica. O Onofre Correa chegou perto mim e disse:
- Maria, você está demitida.
- Por quê?
- Não sei.
- Você pode falar com eles que não andei marcando cédulas de batom não.
- Fizeram uma calúnia comigo, porque eu não fiz o que eles estão falando. Mentira! Eu fui cortada? Não tem importância não!
Eu, a Eva e muitas moças apenas trabalhava na rua para tomar conta das pessoas, levar as pessoas, ensinar onde tinha que votar e ensinar como vota. Em 1946 fui demitida e fui estudar lá no Sr. Domingos Tostes. A filha dele, a Dona Dulce dava aula de bater máquina (datilografia). Foi nesse ano que aprendi muito!
Em 1947, o João Ramalho foi na minha casa e disse: “Maria, o João mandou falar com você se você votar neles...” respondi que nunca fui contra eles e que nunca votei contra eles. Eu não sei se foi o João, o Dr. Francisco ou Sr. Manoel que mandou me oferecer uma vaga na fábrica novamente. Eles arrumaram um discurso para eu falar no comício. Fui e falei bonito! Decorei o meu papel: um discurso a favor dos Peixoto. Todos eles sempre foram muito bons para mim e para Cataguases!
Minha mocidade foi muito bonita! Cada um lembra do seu passado, o meu foi maravilhoso! Até hoje está sendo bom. Não tenho nada, mas tenho Deus comigo!
Adaptação da entrevista feita em 27/06/1990 por Jose Luiz Batista e Glaucia Siqueira, para a coletânea de livros ‘Memória e Patrimônio Cultural de Cataguases, Volume 3 – 2ª Edição de 2012 – Coordenação: Paulo Henrique Alonso – Pág. 97-122.
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