Foto: Operários (as) da Indústria Irmãos Peixoto, sem data de referência, Arquivo Público
O atendimento aos familiares era realizado do mesmo modo que o dos operários. Aparecem registros de filhos, esposas, irmãs, que foram procurar tratamento na empresa e o acompanhamento médico dos mesmos. Foram atendidos pelo médico da empresa nos 30 setores analisados, 435 funcionários, sendo 238 mulheres (54,7%) e 197 (45,3%) homens, em 1941.
No setor de tecelagem foram registrados pelo clínico da empresa 1287 diagnósticos para as funcionárias da seção. As doenças do aparelho digestivo prevalecem entre as enfermidades que afetavam estas operárias, com 357 anotações (32,8% dos diagnósticos), seguidas das doenças do aparelho respiratório com 320 registros (29,4%); os diagnósticos com causas mal definidas, ocupam o terceiro lugar, com 214 anotações. As doenças do aparelho geniturinário (órgãos genitais e urinários) com 96 apontamentos (8,8%) são a quarta causa de doenças nas operárias, seguidas das doenças infecciosas e parasitárias com 88 anotações (8,1%).
Na fiação, as doenças do aparelho respiratório são as principais causas que levam as funcionárias a procurar o auxílio do médico da empresa, com 71 registros; seguidas das causas mal definidas, com 55 anotações; e das doenças do sangue, com 29. As doenças do aparelho digestivo ocupam o quarto lugar nos diagnósticos seguidas das doenças da pele e do tecido subcutâneo com 25 e 21 anotações respectivamente. Neste setor houve apenas dois atendimentos por causas externas, um por mordida de cão e uma contusão torácica.
Nos teares, entre as funcionárias, as doenças mal definidas destacam-se como principal causa de atendimento pelo clínico, com 15 anotações, seguidas das doenças do aparelho digestivo, com 6 atendimentos e das doenças do aparelho respiratório com 5 registros. As doenças respiratórias predominam na sala de acabamento, entre as operárias, sendo que dos 28 registros, 15 se referem a estas enfermidades. As doenças mal definidas e as doenças do aparelho digestivo, ambas com 6 anotações, estão em segundo lugar.
No filatório se destacam as doenças do aparelho respiratório, do sangue, e do aparelho geniturinário com 3 anotações cada. A única funcionária que ocupava cargo de chefia na produção da empresa é tratada com doenças da pele e do tecido subcutâneo.
As doenças do aparelho respiratório e do aparelho digestivo sobressaem no setor de carretéis com 13 atendimentos cada. Em segundo lugar figuram as doenças do aparelho geniturinário e as mal definidas ambas com 6 registros.
Os setores de limpeza e conserva apresentaram um atendimento cada, diagnosticados como doença do aparelho geniturinário e da pele, respectivamente.
Para o sexo masculino, na seção de tecelagem predominam as doenças do aparelho respiratório com 18 atendimentos; seguem-se, com 7, as mal definidas; e as doenças do sangue e dos órgãos hematopoiéticos, com 4 registros.
No setor de mestre o médico diagnosticou 22 funcionários com doenças do aparelho respiratório, seguidas das doenças do aparelho digestivo com 7 e das causas mal definidas com 5.
As doenças infecciosas e parasitárias e as doenças do aparelho respiratório predominam no setor de guarda com 9 apontamentos cada, sendo que, as doenças do aparelho digestivo tiveram 4 atendimentos.
Na remeteção as doenças do aparelho respiratório continuam a predominar entre os operários, com 9 atendimentos. Em sequência aparecem as doenças do sangue com 4 apontamentos e as doenças da pele e mal definidas com 2 registros cada.
No setor de oficina como na remeteção, para o sexo masculino, predominam as doenças do aparelho respiratório com 10 atendimentos, seguidas das doenças infecciosas e parasitárias e digestivas com 2 registros cada.
Os pedreiros durante o ano foram atendidos com doença do aparelho respiratório, com 4 registros, seguida das doenças do aparelho circulatório com 3 e por último com apenas um atendimento cada, das doenças infecto - parasitárias e da pele.
No setor de acabamento, apresentam-se em destaque as doenças do aparelho digestivo com 3 atendimentos, seguidas das doenças do aparelho respiratório, da pele e mal definidas com 2 registros cada. As enfermidades do aparelho respiratório permanecem destacadas no setor de passar, seguidas das mal definidas.
Nos setores do urdidor e do almoxarifado destacam-se as doenças dos olhos, do aparelho respiratório, do digestivo e mal definidas, todas com 1 atendimento realizado durante o ano para ambas as seções.
O setor de tinturaria apresenta um número elevado de doenças mal definidas, 34 registros, seguidas das doenças do aparelho digestivo com 13 anotações. As doenças infecto parasitárias e do aparelho respiratório, aparecem em terceiro lugar com 10 atendimentos cada, para os funcionários neste setor. Doenças mal definidas destacam-se nas cardas, para o sexo masculino, com 15 atendimentos; uma pequena variação nas doenças do aparelho geniturinário com 14 apontamentos; e em terceiro as doenças do aparelho respiratório e do aparelho digestivo, ambas com 7 anotações.
Esta distribuição se mantém no setor da massaroqueira, sendo que as doenças do aparelho digestivo, aparecem em segundo lugar, seguidas das enfermidades do aparelho respiratório, para o sexo masculino. No agrupamento realizado para a análise dos setores, predominam as doenças mal definidas com 10 registros, seguidas das doenças do aparelho respiratório e do aparelho digestivo com 9 atendimentos cada. As doenças do aparelho circulatório apresentaram 6 registros, para os funcionários destas seções na indústria.
Este número elevado de enfermidades do aparelho respiratório pode ser explicado a partir das condições de trabalho dos operários, uma vez que o prédio não havia sido construído com o intuito de diminuir os efeitos nocivos na saúde dos operários, ocasionados pelo processo de produção de fios e tecidos. Não podemos no entanto, ignorar a possibilidade de ocorrência de patologias de alta prevalência na população geral, como a tuberculose. O espaço físico da empresa, que pudemos visitar, não parecia se adequar às necessidades de proteção à saúde dos operários, uma vez que o mesmo contribuía para o acúmulo de pó e fibras curtas liberadas durante o processo de produção dos fios e do tecido, podendo vir a ocasionar este elevado número de doenças do aparelho respiratório.
Dos registros realizados pelo médico da empresa, 11 tiveram a anotação de acidente, sendo que destes, 6 foram registrados como acidentes de trabalho e 5 com apenas a palavra acidente, sendo o setor da tecelagem o com mais elevado percentual de acidentes, com 5 anotações, em seguida o setor de fiação, com 3 e as seções de batedor, tinturaria e remeteção, com um registro cada.
Dos registros por acidente, de operários que foram encaminhados para casa provavelmente aconteceram quando o funcionário fora manipular suas máquinas, uma vez que estas, não propiciavam segurança, e as partes atingidas, e os tipos de ferimentos levam a crer que foram ocasionados pelo manuseio das mesmas. Quanto ao sexo os acidentes foram em maior número para o sexo masculino, indicando que as mulheres, apesar de serem numericamente superiores, estavam menos propícias aos acidentes.
Foram emitidos 34 atestados de saúde durante o ano de 1941, seja para admissão, alta ou licença de saúde. Quatro admissões foram negadas pelo médico. Duas devido ao diagnóstico de doença do sangue e dos órgãos hematopoiéticos (anemia); outra por doença da pele e do tecido conjuntivo e uma sem especificação. Os que foram diagnosticados com anemia tiveram seu atestado de admissão suspenso provisoriamente. Em relação ao sexo, dois do sexo masculino e dois do feminino, pretendiam assumir cargos no setor de tecelagem, fiação e tear. Os atestados de licença médica variaram de 3 dias a 2 meses.
Dentre os registros das doenças que acometiam as funcionárias da empresa, encontramos 30 casos de amenorréia (ausência de ciclos menstruais mensais), que poderiam ser, provavelmente, gravidez.
Através da análise do registro no livro podemos supor que os funcionários da Indústria Irmãos Peixoto, possuíam um acesso contínuo ao atendimento de saúde, uma vez que o médico da empresa estava permanentemente disponível, e realizava o tratamento das doenças dos operários e seus familiares, além de desempenhar o papel de ‘médico do trabalho’ no que diz respeito às licenças e à identificação dos acidentes de trabalho.
Para traçarmos o perfil da mortalidade no município de Cataguases nos anos de 1940 a 1944, utilizamos como base para o levantamento de óbitos os dados fornecidos pelo Livro 51 de Óbitos nº 5 da Prefeitura de Cataguases. O registro a que tivemos acesso foi realizado com base na declaração transcrita pelo servidor público para fornecimento de certidão de óbito, sendo transladada apenas a causa básica da morte. A definição da causa da morte é determinada direta ou indiretamente por fatores associados às características sociodemográficas do falecido tais como sexo, idade, profissão, estado civil, instrução, lugar de residência, nível socioeconômico; e também por fatores associados às circunstâncias de ocorrência do óbitos. Livro de Óbitos da Prefeitura de Cataguases nº 5, continha dados sobre nome, sexo, cor, naturalidade, idade, estado jurídico, filiação, causa morte e data do óbito.
A codificação da causa básica foi realizada aplicando as regras estabelecidas pela CID (Classificação Internacional de Doenças), sendo que alguns registros são inelegíveis dificultando nosso entendimento.
PS: No Brasil, a padronização dos instrumentos de coleta foi implantada somente a partir de 1976 com a introdução do documento “Declaração de Óbito “. Neste documento, a declaração das causas que conduziram o indivíduo à morte é feita segundo o modelo proposto pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Para fins estatísticos, a seleção e a codificação da causa básica da morte é feita de acordo com as regras estabelecidas pelas revisões da Classificação Internacional de Doenças (CID).
Foram registrados em cinco anos 1439 óbitos ocorridos na cidade de Cataguases e seus distritos. O registro de óbitos masculino perfaz 59%, e o feminino 47,5%, sendo que somente dois fetos foram registrados, sem especificar o sexo. A análise dos dados acerca da nacionalidade dos óbitos revela que foram registrados 1418 óbitos de brasileiros, perfazendo 98,5% de todos os registros, demonstrando que Cataguases não mais se faz industrialmente ou socialmente com base na mão-de-obra imigrante, pois os apontamentos de estrangeiros são de indivíduos com idade avançada.
De 1940 a 1943, o número oscila muito pouco, com um pequeno aumento em 1944. Portanto, nesse período de 5 anos não encontramos evidências de enfermidades que possam indicar situações epidêmicas. Em relação à mortalidade de ambos os sexos, a faixa etária com maior registro de óbitos é a de menores de um ano, com 23,5% dos casos com 339 registros, seguida da faixa de 1 aos 4 anos, com 206 registros com 14,3%, caindo nas três faixas seguintes (5 aos 9, 10 aos 14, 15 aos 19) com 88 anotações (8,2%), voltando a subir entre 20 aos 29 anos com 106, para novamente diminuir na idade de 30 aos 39 anos, para se elevar a partir dos 40 aos 49 anos, mantendo esta elevação até a faixa etária acima dos setenta anos. A soma das quatro ultimas faixas etárias faz um total de 589 óbitos, perfazendo 41% dos registros.
Utilizando os dados dos óbitos referentes a Cataguases nos anos de 1940 a 1944 foi construída a taxa de mortalidade geral e taxas específicas para as 5 principais causas de morte.
Em relação ao total de óbitos, com base na classificação por capítulos da CID, predominam, no período, os óbitos por causas mal definidas com 338 registros, perfazendo 23,5% das mortes ocorridas no período, seguidos por doenças infecciosas e parasitárias, com 333 apontamentos (23,1%), pelas doenças do aparelho circulatório (223, 15,5%), do aparelho respiratório com 174 registros e doenças do aparelho digestivo, com 104.
As neoplasias ocupam o sexto lugar das causas de morte, 54 casos (3,8% dos óbitos); seguidas das doenças do aparelho geniturinário, com 2,8%; das causas externas de mortalidade, (2,1%); das doenças endócrinas; e dos transtornos mentais e comportamentais ambas com 1,7% dos registros.
De acordo com o Jornal Cataguases, 30.07.1933, p.1 os postos de higiene diagnosticavam a enfermidade (tuberculose), isolavam o paciente, tratavam-no, explicando aos familiares como proceder. Não sendo permitida sua internação nos hospitais, relatam a falta de atenção para com os indigentes.
A Gazeta de Leopoldina, 19.191941, n 52, p.1, noticiava que a doença estava aumentando na cidade e em municípios vizinhos, atingindo de preferência a classe operária. Foi realizada na região uma campanha de vacinação com o BCG (em 1927 começa a ser produzida a vacina BCG - Bacilo de Calmante e Guérin, pelo Instituto Vital Brasil, RJ), em crianças recém-nascidas, nos dez primeiros dias de vida, e em pessoas que não portavam o bacilo. O tratamento a ser realizado segundo a gazeta seria higiênico dietético, com repouso, movimentos controlados, ar, luz, clima e alimentação e, um medicamentoso, sui generis (Gazeta de Leopoldina, 26.10.1942, n54, p.1). Sendo que “a alimentação deficiente, a subalimentação, e a moradia em quartos sem ar e luz, sujos e mal ventilados, a higiene concorrem enormemente para o aumento da tuberculose”.
As classes menos favorecidas, a classe operária, especialmente, são as que mais sofrem as consequências da subalimentação. De acordo com o periódico as dificuldades da guerra dificultaram a alimentação “os pobres são ‘celeiros dos ‘bacilos’, os que fazem regimes, os que não são bem alimentados na infância, os exercícios físicos realizados de modo inadequado” (Gazeta de Leopoldina, 30.11.1941, n 63 p.1).
A partir do final dos anos 40, a tuberculose passou a apresentar um panorama distinto. A mortalidade experimentou persistente e acentuado declínio, fator que se pode atribuir à introdução de novas armas tecnológicas e ações de controle. A introdução da estreptomicina (o primeiro antibiótico de grande impacto sobre a tuberculose) na prática clínica havia se iniciado em 1947.
Durante o período de cinco anos em que analisamos os óbitos da população cataguasense, encontramos 92 registros de tuberculose, sendo que 46 se referem a homens e 46 a mulheres. Este número perfaz cerca de 6% no total de óbitos analisados para os anos de 1940 a 1944 na cidade.
Em Cataguases, o número de registros para menores de 5 anos é pequeno, aumentando entre as faixas etárias de 15 aos 49 anos, diminuindo nas seguintes e se elevando a partir dos 70 anos de idade, com predomínio do grupo de indivíduos entre 20 aos 49 anos. A ausência de registro de tuberculose pelo médico da fábrica pode ser explicada pela necessidade do operário se ausentar da empresa e consequentemente ter seus rendimentos cortados, ou mesmo correr o risco de não ser readmitido na mesma. A tuberculose também se constitui em importante fator de discriminação social, o que pode ser outra explicação para a ausência do diagnóstico nos assentamentos da fábrica, apesar do grande número de diagnósticos de patologias respiratórias. A tuberculose é, evidentemente, um possível fator de confusão na discussão dos fatores determinantes dessas patologias e que obriga a relativizar sua atribuição às situações de trabalho.
Fonte: A saúde dos operários têxtil da Indústria Irmãos Peixoto _ Cataguases-1941.
Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro, pela Professora e Mestre em História, Lucilene Nunes da Silva.
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