Perfil dos operários (as) da Indústria Irmãos Peixoto - Parte 3

Famílias das localidades vizinhas se deslocavam para Cataguases pela oportunidade de que suas filhas pudessem ser empregadas na indústria. A análise possibilitou conhecer o perfil dos funcionários que compunham o processo produtivo da Indústria Irmãos Peixoto, dentre eles os setores de tecelagem, filatório, fiação, cardas, carreteleira, bobinadora, sala de pano, tinturaria, batedor, conserva, mestre e outros.


A utilização de mão-de-obra feminina e infantil é uma constante, os funcionários sendo admitidos em criança para se empregar na fábrica, uma característica das fábricas da região.


A média de admissão a partir dos registros de idade das operárias era de 18,7 anos e para os homens de 20,7 anos, mostrando um aproveitamento maior da mão-de-obra feminina mais jovem. O recrutamento de operários se faz em torno da cidade de Cataguases e na mesma, e é uma mão-de-obra jovem e sem qualificação profissional.


A preferência por mulheres é uma constante na história da empresa desde suas primeiras funcionárias. Poucos eram os indivíduos que entravam na fábrica em idade avançada, sendo que 60 integraram a empresa na faixa etária de 10 a 14 anos, ou seja, são crianças que tiveram que se adaptar às normas do trabalho na indústria. A aceitação de menores era predominante, e pelos registros observa-se esta tendência desde o início da produção até a década de 1940.


Um número de 122 funcionários foi admitido na fábrica na faixa etária de 15 a 19 anos, mostrando que a idade para ingresso na indústria era baixa, constituindo uma mão-de-obra jovem, provavelmente sem qualificação profissional, sendo que esta deveria acontecer na empresa, através de aprendizado com os mais antigos e com mudanças nas seções de trabalho. Os indivíduos que entraram para a fábrica com idades que variavam entre os 10 e 19 anos perfazem um total de 182 fichas, mostrando que 67% dos funcionários analisados ingressaram na empresa na infância ou adolescência.


A inserção do menor no trabalho ocorre pela necessidade de complemento à renda familiar. Devido a seus salários mais baixos, e por serem mais facilmente controlados do que os adultos, são largamente empregados, alegando-se sua menor produtividade como justificativa para a menor remuneração. Apenas um operário foi admitido na empresa com mais de 50 anos. Percebe-se que a partir dos 20 anos, o ingresso é menor para ambos os sexos, permanecendo uma pequena predominância para a admissão de mulheres, e havendo uma queda acentuada a partir dos 40 anos com apenas 6 admissões, 4 masculinas e 2 femininas.


Os funcionários atendidos pelo médico são indivíduos em sua maioria (40,6%) na faixa etária entre 15 e 19 anos. Apenas 9 fichas de funcionários foram encontradas com idade entre 10 a 14 anos, mostrando que a faixa etária para ingresso na empresa estava se elevando, sendo a admissão em maior número a partir dos 15 anos, com 110 admissões, sobressaindo o número de operárias, sendo 77 admitidas nesta faixa etária. É maior o número de operários entre 20 e 29 anos, sendo 78 o número das jovens atendidas na empresa, perfazendo 41% no total de funcionários. O número de mulheres permanece maior na fábrica, dos 15 aos 29 anos num total de 155, diminuindo a partir da faixa etária seguinte.


As mulheres jovens são em maior número do que os homens, o que se inverte a partir dos 30 anos, quando temos 22 funcionárias para 27 funcionários, mostrando a necessidade dos homens permanecerem no emprego por serem provavelmente os responsáveis pelo sustento das famílias.

 

Em 1941 a média de idade das funcionárias da empresa era de 21,8 anos e de 26,7 anos para os homens, mostrando que as mulheres eram admitidas mais novas na empresa, mas os homens permaneciam trabalhando na fábrica até uma faixa etária mais elevada.

As mulheres eram impelidas a trabalhar nas fábricas pela necessidade econômica da família operária, o que poderia explicar o caráter provisório do trabalho entre o sexo feminino.


A permanência no trabalho aumenta para os homens a partir dos 6 anos de serviço na empresa, quando se percebe que é cada vez menor o número de funcionárias que continuam na fábrica.


A alta rotatividade, principalmente entre as mulheres, nos remete a saída destas para se casar, indicando que parte destas estavam na empresa para complementar o rendimento familiar, pois poucos são os casos das jovens que retornam.


O desligamento não parece ser obstáculo para o retorno tempos depois, mesmo que o operário tenha sido demitido. Esta rotatividade é encontrada em todos os setores da empresa. A permanência é maior para a faixa dos 31 anos, provavelmente responsáveis pela renda familiar, não podendo abrir mão do emprego.


Em 15 fichas há registros que mostram admissão, readmissão, demissão. Não foram encontrados registros de elogios ao operário quando de seu desligamento da empresa, mas sim, anotações acerca de desvios de conduta, que geralmente causavam prejuízos à empresa, ou de desentendimento entres funcionários.


Ocorreram quatro casos de empregados que saem da fábrica espontaneamente e depois retornam à mesma alguns anos, meses ou dias depois para exercer a mesma função ou uma nova tarefa. A desobediência ao mestre ou ao encarregado da seção, resultava em demissão, saída espontânea ou suspensão do serviço por cerca de 3 dias.


Consta o caso de uma funcionária que se recusou a trabalhar em feriado municipal e para que não fosse, segundo a empresa, pediu um pagamento a que não tinha direito, não foi demitida, aposentou-se por tempo de serviço. Duas funcionárias responderam aos diretores suas cartas de advertência, por terem produzido tecidos com defeito. Mesmo em casos nos quais o operário tenha sido demitido ele é readmitido pela fábrica.


São 8 os casos de desentendimentos com o chefe; 22 por aposentadoria; 5 afastamentos por motivos pessoais; 4 de abandono de emprego; 4 de falecimento (ocorridos após 1941); 4 de recusa ao trabalho; e 6 afastamentos por motivo de doença, sem menção de diagnóstico.


Ocorreu um caso em que a funcionária saiu de férias e após o término não retorna ao trabalho, possivelmente sem dar satisfação à empresa; era solteira, entrou na fábrica com 12 anos e permaneceu por dois anos.


As anotações dos salários começaram a ser feitas a partir de 1954, mas percebe-se que o pagamento de 66 funcionários era realizado por hora de serviço, e de acordo com sua produção, apenas três, variando conforme a função exercida. O pagamento era efetuado quinzenalmente em cerca de 251 registros, mensal em apenas 4 e semanal em 3. Somente 13 fichas não definiram a forma de pagamento. Apenas duas fichas apresentam o registro do valor do salário, três tecelãs apresentam o apontamento de tarefa, deste modo seu pagamento seria de acordo com as atividades que iriam realizar.


Em relação aos turnos de serviço, existiam duas turmas por dia, divididas em turnos de 8 horas, e a empresa fornecia ao empregado um descanso de quatro em 4 horas para refeição. Não há registro da escolaridade do operário, mas somente se este era analfabeto (14), se tinha boa caligrafia (15 operários com este registro), e em duas fichas, apenas que sabiam ler e escrever, num total de apenas 31 fichas onde foram registradas estas observações.


A fábrica constituía condições de vínculo com a família, proporcionando a vila e serviço médico. A empresa se vê como beneficente dos trabalhadores ao fornecer emprego e ensino às famílias. O assalariamento é tido como uma forma de manutenção e a proletarização ocorre pela mudança no modo de vida das famílias após a saída da roça.


Foram encontrados 22 casos de operários da fábrica que são filhos de outros (19) operários. A presença de parentesco entre os funcionários da fábrica indica que a necessidade de sobrevivência faz com que outros membros de uma mesma família procurem trabalho na fábrica, possivelmente uma forma de ocupação melhor remunerada para a região.


A passagem de operários por diversas seções da fábrica, assinala um aprendizado de profissão que ocorria no ambiente da fábrica. A mobilidade presente na empresa possibilita ao operário diversificar seu saber e sua aprendizagem. O fato do aprendizado se realizar dentro da fábrica sugere a inexistência de escolas técnicas e o ingresso precoce na fábrica. A mudança de setores possibilita ao operário um maior conhecimento acerca do funcionamento da fábrica.


Nas Indústrias Irmãos Peixoto o controle do trabalhador era exercido pelos mestres. Dos oito funcionários que exerciam esta ação, encontramos apenas uma mulher exercendo uma atividade de fiscalização em relação às atividades dos outros operários. O funcionamento de uma fábrica demanda uma nova racionalidade com a introdução de novas regras e disciplina, visando a um maior aproveitamento da produção. Este controle se realiza através do processo produtivo, todo ele voltado para a manutenção do indivíduo em constante atividade, sem tempo para deslizes, prejudiciais ao desenrolar da produção. O Contramestre tinha a condição de superior hierárquico, uma vez que sua posição decorria de sua competência profissional, pelo conhecimento mais completo do métier. Sua função se aliava tanto ao conhecimento das tarefas de fabricação do produto quanto ao funcionamento da máquina, cuja manutenção estaria a seu encargo. Ele estava no ápice do sistema da hierarquia operária, quer do ponto de vista do conhecimento do métier, quer do ponto de vista da autoridade e do salário.


Os Encarregados eram os responsáveis por etapas parciais do processo geral das seções ou da coordenação dos serviços auxiliares. Este processo no qual o homem é tido como chefe é percebido nas indústrias Irmãos Peixoto, onde as chefias se encontravam geralmente nas mãos destes. As repreensões podiam ser orais, registradas, e aconteciam agressões físicas por parte dos mestres em relação aos operários.


O mestre é o encarregado da seção verificando o andamento da produção, fiscalizando os operários, cabendo ao contramestre o encargo de consertar as máquinas.


As próprias máquinas significaram sempre a disciplina nos trabalhos. O rigor com que as máquinas deveriam ser manipuladas acabava por deixar pouco tempo para qualquer ‘desvio do olhar’ do empregado.


Mas para que o simples acender dos motores a vapor, todas as segundas-feiras, às seis horas da manhã, pudessem significar uma estratégia de disciplina inserida no hábito da industrialização regular e contínua, muita resistência por parte dos operários precisou ser vencida.


Este controle se encontra nos registros de advertência por briga com companheira em uma mesma seção, por tecer tecido com defeito, ou recusa em assinar o boletim de serviço, também realizado nas fichas.


Foto: Interior da Fábrica de Tecidos, Alberto Landóes, início séc. XX, acervo DEMPHAC


Fonte: A saúde dos operários têxtil da Indústria Irmãos Peixoto _ Cataguases-1941.

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro, pela Professora e Mestre em História, Lucilene Nunes da Silva.


Redatora Chefe

Karla Valverde





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