Processo eleitoral de Cataguases - 1900 a 1920

A primeira constituição republicana garantiu o direito de voto a todos os cidadãos masculinos maiores de 21 anos, que se alistassem na forma da lei, excluindo militares, religiosos e analfabetos. O cidadão interessado em votar deveria fazer um requerimento de alistamento eleitoral. Este constituía um pequeno processo contendo: pedido de qualificação, escrito pelo próprio punho e reconhecido em cartório; atestado de residência, expedido pelo delegado ou juiz e, quando necessário, comprovação de idade, através de duas testemunhas.


Uma vez deferido o pedido pela junta eleitoral, esta expedia o certificado de qualificação e posteriormente o título de eleitor. As comissões de alistamento, normalmente eram formadas por 4 ou 5 membros, escolhidos entre os “homens bons” do lugar e presididas pelo Juiz de Paz. O alistamento era registrado em um livro próprio constando: nome, idade, filiação, profissão, endereço e a data do alistamento. As listas eram revisadas anualmente e publicadas em edital. A mesa alistadora tinha plenos poderes para excluir ou incluir eleitores e alterar listas anteriores.


O prazo previsto para entrar com recurso era de 15 dias após a sua publicação. As mesas receptoras também eram compostas por cinco membros nomeados pelos Juízes de Paz: Presidente, Vice-Presidente, Secretário e dois Mesários. Estes deveriam comparecer na véspera da eleição nos edifícios ou casas designadas, proceder à instalação da mesa e lavrar a ata. A mesa ocupava um lugar separado do recinto destinado à reunião dos eleitores, mas “de modo a poder fiscalizar os trabalhos” (Livro de Ata de eleição. Dia 03.01.1906. Arquivo da Prefeitura Municipal de Cataguases)


Composta a mesa, o Presidente verificava se a urna estava vazia, fechando-a em seguida e iniciava-se a chamada dos eleitores pela lista, na ordem de sua inscrição. O eleitor exibia seu título, assinava o livro de presença e depositava as cédulas na urna, sendo uma para cada cargo disputado. Como ainda não havia cédula oficial, esta podia ser impressa ou manuscrita e geralmente era confeccionada e distribuída pelos partidos e candidatos aos seus eleitores.


No final dos trabalhos, havia uma segunda chamada para os eleitores que não se encontravam presentes durante a primeira chamada.

A apuração se fazia logo após o término da eleição. Aberta a urna e contadas as cédulas, o secretário abria uma por uma e lia em voz alta, enquanto os mesários iam repartindo-as de acordo com as letras do alfabeto e escrevendo uma relação com o nome dos votados e o úmero de votos. A lista com o resultado da seção era publicada em edital e afixada na porta do edifício da votação, após ser lavrada em ata. Desta extraíam-se duas cópias: uma para o presidente da junta apuradora na capital e outra para o Presidente do Estado. Na ata de eleição deveria constar: dia e hora, número de eleitores, número de cédulas não apuradas e o motivo, número de cédulas apuradas em separado e a justificativa e ainda, todos os incidentes ocorridos durante a eleição.


Quando o município foi criado, Cataguases pertencia ao 2º distrito eleitoral de Minas Gerais, ao lado de 16 outros municípios, entre eles: Muriaé, Juiz de Fora, Além Paraíba, Viçosa, Leopoldina e outros.


Em 1920 houve uma revisão dos distritos eleitorais e o segundo distrito foi divido em dois. Pela Lei Eleitoral nº 4.215, passaram a fazer parte do 2º distrito eleitoral de MG os municípios: Caratinga, Manhuassu, Rio Jose Pedro, Aymorés, Viçosa, Palma, Carangola, São Miguel, São Paulo do Muriaé, São Jose de Além Paraíba, Cataguases, Rio Branco, Ubá, São João Nepomuceno, Guarará, Rio Novo, Mar de Espanha, Leopoldina. Juiz de Fora passa para o 3º distrito eleitoral. (Jornal Cataguases, 25.12.1920)


O município de Cataguases, por sua vez, era composto por oito distritos administrativos: Sereno, Santana, Mirai, Porto de Santo Antônio, Cataguarino, Itamarati, Vista Alegre, Laranjal, mais o distrito da cidade.


Em 1910 o município possuía um total de 4.463 eleitores (Jornal Cataguases, 15.03.1910), sendo a maioria dos distritos e zona rural, distribuídos em 22 seções, incluindo as distritais. Apesar das oscilações no número do eleitorado ao longo das décadas de 1910 e 1920, uma vez que o alistamento e o voto não eram obrigatórios, a previsão era de aumentar o número de eleitores, preocupação constante dos políticos, uma vez que esse número demonstrava a força do partido e do chefe político local.


Por outro lado, a competição entre os grupos pela vitória nas urnas levava ao aumento de alistados. Isso fica visível nas constantes campanhas de alistamento e apelo ao comparecimento nas urnas.  


Durante a primeira república o município realizou cerca de 23 eleições, incluindo eleições federais, estaduais e municipais, Vereadores, Juízes de Paz, Presidente da República e Vice, Presidente do Estado e Vice, Senador, Deputado Federal e Estadual eram escolhidos pelos eleitores, através de eleições diretas. Havia vereadores eleitos pelos distritos, sendo um para cada distrito, inclusive da cidade e 3 vereadores “gerais”. Ao que tudo indica, os vereadores distritais representavam seus distritos na Câmara Municipal e os vereadores gerais, representavam os interesses do município como um todo,

Juízes de paz, Presidente da República e vice, Presidente do Estado e vice, Senador, Deputado Federal e Deputado Estadual eram escolhidos pelos eleitores, através de eleições diretas.


Essas eleições eram realizadas separadamente. Assim, em 1906, por exemplo, tivemos: em janeiro, eleições federais para escolha de Senador e Deputado Federal; em 01 de março, eleições para Presidente de Estado e vice -Presidente. Em 1907, tivemos em março, eleições para deputados e senadores estaduais e em novembro, eleições municipais para Vereadores gerais e distritais. Estas últimas, eram realizadas de três em três anos. Esse cronograma eleitoral, somado ao fato das eleições federais, estaduais e municipais, serem realizadas separadas, contribuía para que o município vivesse uma intensa atividade eleitoral, praticamente o ano inteiro.


Desde o início de sua carreira política, em 1894, como Vereador, Presidente da Câmara e Agente Executivo, até 1920, todo esse processo eleitoral descrito acima, desde o alistamento até a verificação dos poderes, era comandado por Astolfo Dutra Nicácio. Como chefe do partido situacionista local, indicava os candidatos, de Vereador a Presidente da República, acompanhava todos os trabalhos eleitorais, desde o alistamento até a apuração e diplomação dos eleitos. Fazia parte das comissões de alistamento e de diplomação. Nada acontecia no município sem o seu conhecimento e seu aval.


Todavia, isso não significa a ausência de disputas: ocorreram dissidências e oposições que fomentaram significativos embates políticos refletidos no campo eleitoral.


A conquista do eleitorado começava no alistamento. Como o alistamento e o voto não eram obrigatórios, os candidatos tinham que fazer uma grande campanha para alistar os “seus” eleitores.Assim, a campanha de alistamento era uma constante preocupação e ocupava o centro das atenções, tanto dos candidatos como dos partidos. Essa preocupação transparece de forma muito nítida nas intensas campanhas de alistamento feita através dos jornais, convocando os eleitores a se alistarem, publicando edital de alistamento e listas, enfim, sempre lembrando ao eleitor o seu compromisso com as urnas, além dos discursos de apelo à “democracia” e ao “patriotismo”.


O alistamento constituía-se também num importante momento de embate eleitoral. Como para alistar-se o cidadão precisava praticamente montar um pequeno processo, conforme já foi mostrado, tornava-se necessário uma orientação, principalmente para o cidadão mais simples. Esta orientação era dada, obviamente, pelos candidatos interessados naquele voto. Ou seja, alistar um eleitor era um voto contado como certo. É claro que o simples fato do candidato alistar um eleitor não garante o seu voto, contudo, lembrando as práticas clientelistas, para um eleitor que vê o ato do voto como algo que lhe é indiferente – não como instrumento de representação – a eleição é um momento propício para obter algum favor de que precisa e tem no seu voto, um instrumento de permuta. Além disso, a composição da mesa era importante, pois ela tinha o poder de alterar as listas, incluindo ou excluindo nomes, podendo interferir assim, no resultado das eleições.


O alistamento, portanto, tornava-se um momento privilegiado da disputa eleitoral, disputas essas que muitas vezes terminavam nos tribunais. Em 1900, dois juízes de paz do distrito de Vista Alegre foram processados por crime eleitoral, sob acusação de ter excluído do alistamento daquele ano cerca de 80 eleitores. O processo narra que o juiz Andrelino Pinheiro Senna procedeu à revisão de alistamento dos eleitores estaduais, recebendo 54 requerimentos de vários eleitores, deferindo uns e indeferindo outros. Findo o prazo para apresentação dos requerimentos encerrou as listas e mandou publicá-las em edital. Porém, antes de findar o termo do edital, o juiz renunciou, alegando que alguns correligionários seus o censuravam por ter alistado eleitores contrários.


O juiz que assume, Gabriel Sally, descumprindo a lei, deixou de fazer registrar no livro próprio do cartório o alistamento feito pelo juiz renunciante. Os prejudicados recorreram e o juiz de direito da comarca mandou que o juiz completasse o alistamento, transcrevendo o nome dos recorrentes no livro próprio. O juiz não cumpriu a sentença do juiz superior. Nas vésperas da eleição de 01 de novembro de 1900, os prejudicados reclamaram com o escrivão de paz o registro de seus nomes no livro em cumprimento da sentença do juiz e foram atendidos e o juiz Sally suspendeu-o por 30 dias.


O promotor de justiça acusa o juiz de ter levado o livro de alistamento para sua casa e registrado nomes que bem quis, “desprezando totalmente o alistamento constante do edital publicado pelo juiz Andrelino e formando desta maneira, um novo alistamento fora da época marcada em lei.” (Processo Crime eleitoral, 1900. CAT – 1 CR. nº 970 Cx. 39. P. 144)


O promotor afirma que o juiz cometeu tal crime para promover seu interesse eleitoral, pois era candidato na eleição. Nas vésperas da eleição, entrou outro juiz de paz, Joaquim Matheus Mendes. Dias antes da eleição, convocou seus amigos e fez nomeações dos mesários da segunda seção, “recaindo em comparsas dele” (Processo Crime Eleitoral., 1900. CAT – 1 CR – nº 970 Cx. 39 p. 3)


Recusou o livro de alistamento oferecido pelo escrivão e utilizou uma lista fornecida pela câmara municipal. Por essas folhas o juiz fez a chamada da eleição, com omissão dos nomes dos cidadãos alistados em grau de recurso, denegando o exercício do voto aos mesmos eleitores que se apresentaram munidos de certidão de seu alistamento. Os eleitores eliminados da lista fizeram declaração do voto perante o tabelião, donde resultou que o juiz Sally, candidato à reeleição ao cargo de juiz, foi derrotado. (Durante a Primeira República havia eleição para Juiz de Paz. As trocas de juízes a que se refere o processo, provavelmente se devem ao conturbado momento eleitoral, com denúncias, renúncias e fraudes.


Possivelmente esses juízes foram nomeados para o período eleitoral, até os juízes eleitos tomarem posse.)


Como já vimos, Astolfo Dutra, como chefe do partido situacionista comandava a política local. Todavia, havia aqueles que contestavam sua “orientação política” e disputavam uma fatia do poder local, tentando derrotá-lo nas urnas.


Mais uma vez, o alistamento será motivo de embate político.


Em 1918, a oposição acusa o Juiz Luciano Lima por ter eliminado das listas eleitores da oposição, atrasando os despachos de alistamento, prejudicando inúmeros eleitores, que não foram alistados em tempo hábil e feito alistamento clandestino, favorecendo o partido situacionista chefiado por Astolfo Dutra.


A situação, por sua vez, acusa a oposição de alistar menores, analfabetos e pessoas residentes em outras comarcas. Como se vê, a “caça” ao voto e a disputa eleitoral entre as facções políticas rivais começava no alistamento, se estendendo durante toda a campanha. Normalmente, o partido situacionista levava vantagem nesta disputa. Ao fazer a campanha de alistamento nos órgãos oficiais e publicar os editais eleitorais, o chefe político apresentava aos eleitores do “seu” município a chapa oficial e “recomendava” aos seus correligionários sufragarem nas urnas os nomes apresentados, e ainda solicitava: “não desviem seus votos da chapa geral, por consideração de amizade pessoal a um ou a outro candidato da oposição local.”



Foto: Acervo Público - Cataguases - sem referência de data


Fonte: A disputa de grupos familiares pelo poder local na cidade de Cataguases – práticas, representação e memória.

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Minas Gerais, pela Professora e Mestre em História, Odete Valverde Oliveira Almeida.

 



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