Início da vida política - 1900 a 1920
Astolfo Dutra Nicácio
Nascido em Santa Rita de Meia Pataca, 17 de dezembro de 1864. Filho do Coronel Pedro Dutra Nicácio e de Raquel Dutra Vieira de Rezende. Formado pela Faculdade de Direito de São Paulo em 1888, exerceu a advocacia em sua cidade natal e de 1890 a 1891 foi juiz municipal daquela mesma cidade.
Na política, foi eleito vereador, agente executivo e presidente da Câmara Municipal de Cataguases. Em 1900, elegeu-se Deputado Estadual de MG, chegando a ser Presidente da Assembleia Legislativa Estadual. Em 1904 foi eleito Deputado Federal pelo seu Estado, tendo sido reeleito em várias legislaturas. Tornou-se Presidente da Câmara de Deputados, presidindo por duas vezes, de novembro de 1914 a julho de 1917 e de julho de 1919 a maio de 1920.
Em 1894, Astolfo Dutra Nicácio, inicia sua vida política como vereador e presidente da Câmara Municipal de Cataguases. Desde então, até 1920, a vida política do município passou a girar em torno de sua figura. Vereador, Agente Executivo, presidente do diretório do PRM (Partido Republicano Mineiro), Deputado Federal, presidente da Câmara, membro do Comitê Executivo do partido, a “Tarasca”, nada acontecia sem o seu conhecimento e o seu aval.
Como chefe do diretório municipal do partido, Astolfo Dutra indicava os candidatos a vereadores, juízes, deputados estaduais e federais, senadores, presidentes de estado e da república e vices aos eleitores do “seu” município e seus correligionários.
Acompanhava os trabalhos de alistamento, composição das mesas, eleição e apuração. Como ainda não havia o cargo de prefeito (criado em 1930), o município era administrado pelo Agente Executivo. Este era normalmente o presidente da câmara, escolhido entre os vereadores, para o mandato de um triênio, podendo ser reeleito.
É o caso do Coronel Araújo Porto, que ocupou o cargo de 1901 a 1910, sendo substituído pelo Coronel João Duarte, que ficou no cargo até a década de 1920. A atuação político administrativa dos agentes executivos, normalmente estava em consonância com as orientações políticas do chefe.
Estabelecia-se uma espécie de “rede clientelar”. É comum encontrarmos, junto às instruções gerais para as eleições, a lista dos candidatos recomendados pelo chefe e pelo agente executivo e logo abaixo, um aviso: “nada de votos divergentes” (Jornal Cataguases, 21.03.1926).
E normalmente, a chapa indicada ganhava as eleições.
Todavia, isso não quer dizer que não ocorressem rupturas e dissidências. No período que estamos enfocando aqui, 1889 a 1920, encontramos dois momentos de forte oposição política, quando as “orientações políticas” do chefe Astolfo Dutra são contestadas.
O primeiro foi na eleição federal de 1910 e o segundo nas eleições municipais de 1918.
Nas eleições federais de 1910, a situação municipal apoiou as candidaturas de Hermes da Fonseca (Presidente do Brasil de 1910 a 1914) e Wenceslau Brás (Presidente do Brasil de 1914 a 1918), para Presidente da República e vice-presidente. Entretanto, podemos detectar uma forte manifestação da dissidência, inclusive dentro da própria câmara, criticando a política “interventora” de Wenceslau Brás, então presidente de estado, no município. (Jornal Cataguases, 03.02.1910)
A oposição chegou a distribuir panfletos pela cidade, contendo críticas ao presidente de Minas. Por outro lado, a campanha civilista de Rui Barbosa (um dos intelectuais mais conhecido de seu tempo) ganhou adeptos e defensores no município. Portanto, a eleição presidencial de 1910, foi bastante disputada a nível municipal e os civilistas marcaram forte e severa fiscalização no dia das eleições.
Apesar de tudo, o resultado das urnas confirmou a força política de Astolfo Dutra: na cidade, Hermes da Fonseca obteve 313 votos contra 205 de Rui Barbosa. Somando os distritos, essa diferença aumenta: 1.608 votos para Hermes da Fonseca e 912 para Rui Barbosa.
O mesmo ocorreu nas eleições estaduais desse ano: a oposição local sustentou a candidatura de Manoel Thomas de Carvalho Brito (promotor, industrial, fazendeiro, Deputado Estadual, Secretário de Estado e fazia parte da elite administrativa e governamental do estado de MG) contra o candidato do PRM (Partido Republicano Mineiro), Júlio Brandão (Presidente da Câmara e Agente Executivo Municipal; Deputado e Senador Estadual; Deputado e Senador Federal; Presidente da Câmara dos Deputados e Líder da Maioria; Vice-Presidente e duas vezes Presidente do Estado de Minas Gerais e em todos esses cargos deixou sinais indeléveis da sua marcante personalidade, enérgica, culta, trabalhadora e honesta).
Mais uma vez, a chapa de Astolfo Dutra vence as eleições no município, com exceção dos distritos de Itamarati e Sereno, domicílio dos chefes da oposição.
Itamarati:
Carvalho Brito: 123 votos;
Júlio Brandão: 104 votos;
Sereno:
Carvalho Brito: 127 votos;
Júlio Brandão: 64 votos;
Total do município:
Carvalho Brito: 411 votos;
Júlio Brandão: 1.474 votos
(Jornal Cataguases, 13.03.1910).
O segundo momento de forte oposição ocorreu em 1918, em ocasião das eleições municipais. Como sempre acontecia, o partido situacionista local, dirigido por Astolfo Dutra, soltou um boletim apresentando a chapa a ser sufragada nas eleições municipais de 1º de novembro.
A oposição, por sua vez, começou a se movimentar. Dissidentes e oposicionistas formaram um grupo que ficou conhecido como “União”. Entre eles estavam: Otávio Tostes, ex-delegado, Justino Pereira, chefe da oposição em Miraí e o coronel Araújo Porto, ex-agente executivo.
A “União” apresentou seus candidatos e fez uma forte campanha, utilizando-se da imprensa panfletária para divulgar suas ideias e principalmente, atacar o chefe político local.
O clima conflitante da disputa entre as duas chapas pode ser percebido através das acusações trocadas mutuamente, encontradas nos jornais: a União acusa o juiz Luciano Lima de ter favorecido os alistandos do partido de Astolfo Dutra, de ter retardado os despachos e de ter eliminado sumariamente cerca de 600 eleitores oposicionistas. O juiz se defende alegando que a oposição fez alistar analfabetos, menores e pessoas residentes em outras comarcas e afirma que Astolfo Dutra nunca lhe pediu favor no desempenho de seu cargo. (Jornal Cataguases, 20.10.1918)
A situação também ataca, procurando ridicularizar a oposição, identificada como um pequeno grupo heterogêneo, que se uniu de última hora para atacar o prestígio político de Astolfo Dutra na cidade e que não representa sequer um terço do eleitorado. Num outro manifesto, Astolfo Dutra pede aos eleitores para não desviar seus votos da chapa geral e afirma que o PRM (Partido Republicano Mineiro) será vitorioso. O jornal oficial solta uma nota enobrecendo o partido situacionista por “tolerar opiniões adversas.” (Jornal Cataguases, 17.10.1918)
Apesar dos tumultos e trocas de injúrias de ambos os lados, podemos perceber que não se tratava de uma disputa “ideológica” ou mesmo programática e sim, de uma disputa política entre “pares”. Vejamos: o Coronel Araújo Porto foi agente executivo por três mandatos consecutivos, e retirado da presidência da câmara pelo voto dos próprios vereadores que o elegeram. Inconformado por ter perdido seu cargo, passou para a oposição.
O caso da dissidência em Mirai é ainda mais significativo: havia nesse distrito um forte movimento separatista. Ao que tudo indica, o processo de emancipação do distrito já estava sendo negociado com Astolfo Dutra. No entanto, a oposição local, aproveitou o momento das eleições para abraçar o projeto de emancipação e romper com o chefe político. Em 1923, o distrito de Miraí conseguiu sua autonomia administrativa. No que se refere às eleições municipais de 1918, a vitória do PRM (Partido Republicano Mineiro) nas urnas confirmou mais uma vez, a hegemonia do chefe político Astolfo Dutra: a situação elegeu 13 vereadores, contra 2 da oposição, um vereador geral e outro, obviamente, do distrito de Miraí.
Em maio de 1920, Astolfo Dutra morre. O diretório regional do PRM (Partido Republicano Mineiro) se reúne para resolver que atitude assumir com a morte de Astolfo Dutra. Vereadores, membros de diretório central, membros dos diretórios distritais e chefes políticos representantes das classes conservadoras decidem continuar o programa político administrativo do chefe, não só em Cataguases, mas com relação ao presidente do Estado. Reiteram seu apoio a Artur Bernardes (foi presidente de Minas Gerais de 1918 a 1922 e presidente do Brasil entre 1922 a 1926. Seus seguidores foram chamados de "bernardistas") e elegem uma comissão para entregar-lhe o original da ata dessa assembleia. (Jornal Cataguases, 06.06.1920)
Com a morte de Astolfo Dutra, Sandoval Soares de Azevedo, vereador, deputado federal e secretário do interior no governo de Mello Vianna, assume a chefia política local e Antônio Lobo Rezende Filho assume o cargo de agente executivo. Assim, a dobradinha que antes era Astolfo Dutra/Coronel João Duarte, passa a ser Sandoval Azevedo/Lobo Filho.
Foto: Astolfo Dutra - Acervo Público - sem referência de data
Fonte: A disputa de grupos familiares pelo poder local na cidade de Cataguases – práticas, representação e memória.
Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Minas Gerais, pela Professora e Mestre em História, Odete Valverde Oliveira Almeida.