O projeto de industrialização de Manoel Peixoto caminhou em duas direções que, embora sendo específicas, andaram paralelas e podemos dizer que, em alguns momentos convergiam: indústria e arquitetura. Essas iniciativas se devem, não somente a Manoel Peixoto, como também a seus irmãos, principalmente Francisco Inácio Peixoto, José Inácio Peixoto e João Inácio Peixoto.
Tudo começou em 1911 quando seu pai adquiriu uma pequena companhia de fiação e tecelagem na cidade. Com sua morte, seis anos depois, os irmãos passaram a administrar a fábrica que teve sua razão alterada para Indústria Irmãos Peixoto. Os cem teares iniciais foram ampliados para mil e a pequena fábrica cresceu e se tornou núcleo de um pequeno parque industrial, com a instalação de quatro novas indústrias na cidade.
Em 1936 foi criada a Companhia Industrial Cataguases, tendo como diretor gerente José Inácio Peixoto. A instalação da nova fábrica de tecidos movimentou a cidade, trazendo promessas de desenvolvimento e progresso.
O então prefeito Joaquim Cruz (1936 a 1945), assim descreve os benefícios:
(...) com a fábrica virá a construção de vilas operárias, emprego para operários, marceneiros, pedreiros, que têm passado seis longos anos de dificuldades. Com o emprego de 600 operários, é previsível o aumento de 1.500 a 2000 habitantes (mais de 25% da população atual), melhorando a demanda de bens, inclusive da área rural, assim como a valorização das casas, desenvolvimento do comércio, novos centros de diversão, aumento da renda rural e o favorecimento da cultura de algodão. (Cia. Industrial Cataguases. Disponível na internet no URL: http/www.cataguases.com.br/por/historia/index4.htm p.3. 23.11.2003)
O decreto Lei nº 96 de 1936 concede terreno para sua construção, isenta de impostos municipais por 25 anos, bem como gratuidade de água e a intercessão junto ao governo estadual para outras facilidades. Segundo as autoridades municipais, todas essas vantagens se justificavam perante os benefícios que a nova indústria traria à cidade, transformando-a num centro dinâmico e progressista.
Em 1943 foi criada uma nova fábrica na cidade: a Companhia Manufatora de fios de algodão. Destinada inicialmente à produção de fios, com o tempo passou também a fabricar tecidos de algodão e alguns anos depois iniciou a produção de algodão hidrófilo da marca Apolo.
Em 1954, Manoel Peixoto e outros empresários locais criaram mais uma indústria na cidade: a Companhia Mineira de Papéis, voltada para fabricação e comércio de papéis e celulose e, em 1961 foi criada a Indústria Química Cataguases, tendo à frente os irmãos Manoel Peixoto e Francisco Inácio Peixoto.
As indústrias de tecidos acabaram forjando o surgimento de uma fundição na cidade, o que se verificou em 1958, com a criação da Fundição Cataguases que, utilizando o ferro gusa como matéria prima, fabricava maquinetas para os teares das indústrias têxteis e peças de reposição para fiação e tecelagem.
Um outro exemplo é a Indústria Química, que resultou de uma demanda da Companhia Mineira de Papéis. A primeira, além da produção de bauxita, fabrica ainda produtos químicos utilizados na fabricação do papel, como o sulfato de alumínio ferroso, usado no tratamento da água industrial na fabricação de papel; o hipocloreto de cálcio, usado no clareamento da massa da celulose e o metaluminato de sódio, usado para elevar o ph da massa da celulose, além de auxiliar a colagem do papel e evitar deterioração do mesmo provocadas pela acidez.
Em 1943, a Companhia Industrial Cataguases construiu cerca de 44 casas próximas as suas instalações, para os operários. Outras indústrias, como a Irmãos Peixoto e a Companhia Mineira de Papéis, também construíram casas para seus empregados. A construção dessas vilas operárias permite, pelo menos, uma dupla leitura. Há uma leitura corrente, que consiste em inserir as vilas operárias dentro de um contexto de novas formas de organização do trabalho. A reunião das casas operárias em torno da fábrica, num mesmo espaço, possibilita também um certo controle social. O apito da fábrica rege a vida do operário e por extensão, de toda a sua família, impondo-lhe uma rotina do trabalho.
Uma segunda leitura possível sinaliza para a questão habitacional e urbana. Com a chegada de um contingente cada vez maior de pessoas buscando emprego nas fábricas e “melhores condições de vida” na cidade, o problema de moradia agrava-se. Torna-se necessário a construção de casas populares e aluguéis a preços módicos para sanar, ou pelo menos amenizar o problema. Além disso, algumas dessas residências contribuíram para moldar o novo estilo arquitetônico da cidade. É o caso da vila operária da Companhia Industrial Cataguases, conhecida com Bairro Jardim, com casas afastadas tendo jardins à frente. Essas habitações reproduzem a hierarquia interna da fábrica: as casas dos funcionários de postos mais elevados diferenciam-se das casas dos simples operários. Para os primeiros foram construídas casas de dois andares, projetadas por Francisco Bologna, responsável por outros projetos arquitetônicos na cidade.
O escritor e industrial Francisco Inácio Peixoto (foi um dos integrantes do movimento que eclodiu na cidade na década de 1920: A “Revista Verde”. Trata-se de um grupo de jovens escritores, antenados com o movimento artístico e literário, que teve em São Paulo, em 1922, com a Semana da Arte Moderna e que se projetaram no cenário da literatura nacional) foi o precursor da onda modernista que invadiu a cidade nas décadas de 40 e 50. Ao contratar Oscar Niemeyer para projetar sua residência, o industrial dava o “pontapé” inicial no sentido de modernizar a cidade, introduzindo um novo estilo arquitetônico.
Havia uma proposta de renovação urbanística e esta encontrou circunstâncias favoráveis: uma elite intelectual afinada com a nova mentalidade, uma elite econômica – mais precisamente a família Peixoto – também sensibilizada com as propostas modernistas e disposta a investir parte de seu capital nela e a preponderância política da família neste momento: João Inácio Peixoto foi eleito prefeito em 1947 e apoiava politicamente as iniciativas do irmão.
Vale ressaltar uma observação interessante feita por Marques Rebelo a Francisco Peixoto: “As prefeituras devem fazer empréstimos para construir obras para o povo. O povo não tem nada. E vocês nunca mais perderiam eleições.” (Correspondência de Marques Rabelo a Francisco Inácio Peixoto). Assim, a proposta encontrou eco e os “ares modernistas” impregnaram a elite local. Uma onda de construções tomou conta da cidade.
Seguindo o exemplo de Francisco Peixoto, outros membros da elite cataguasense contratam arquitetos modernos para projetar suas casas. Com isso, uma nova arquitetura residencial surgiu na cidade, marcada pelas estruturas de concreto armado e integradas ao paisagismo e artes plásticas. Paralela a essa arquitetura residencial, floresceu também uma arquitetura voltada para a esfera pública: o Colégio Cataguases, projetado por Niemeyer em 1944; a Igreja Matriz, cuja construção foi iniciada em 1944; o Hotel Cataguases, inaugurado em 1951; o Cine Teatro, em 1953; o Educandário Dom Silvério, concluído em 1954; o coreto da praça Rui Barbosa; a praça José Inácio Peixoto, construída em 1956 e o edifício comercial de lojas e apartamentos, A Nacional, concluída em 1957.
Ao lado dessas obras encontramos projetos não realizados, como o Museu de Belas Artes de Cataguases, que teve sua exposição instalada no Colégio Cataguases e um centro social, que incluiria “restaurante popular, biblioteca, armazém de subsistência e salão de barbeiro. (Correspondência de Marques Rebelo a Francisco Inácio Peixoto) e que chegou a ser projetada por Aldary Toledo, mas não se concretizou.
Sabemos que a indústria impulsiona a modernização. Mais do que isso, ela é a própria modernização na esfera econômica. Ela traz em seu bojo inovações tecnológicas e formas mais racionais de produção voltadas para o mercado, além de fomentar o setor terciário, como bancos, comércio, sistemas de comunicação e transportes. A indústria traz consigo a urbanização. É uma atividade urbana.
Ao instalar suas indústrias na cidade, os irmãos Peixoto contribuíram não só para o desenvolvimento econômico local, como também para o seu crescimento urbano. Em primeiro lugar, pelo fato da fábrica funcionar como um polo de atração sobre a população rural, provocando com isso um aumento demográfico na zona urbana. E, em segundo lugar, devido ao investimento de parte de seu capital na renovação arquitetônica da cidade.
Assim, além de contribuírem para a modernização econômica local, os Peixoto impulsionaram o modernismo arquitetônico e artístico, ao contratarem arquitetos, paisagistas e artistas plásticos modernistas para projetarem suas residências e vários espaços públicos, criando assim, uma nova identidade para a cidade de Cataguases.
Foto: Acervo público - sem referência de data
Fonte: A disputa de grupos familiares pelo poder local na cidade de Cataguases – práticas, representação e memória
Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Minas Gerais, pela Professora e Mestre em História, Odete Valverde Oliveira Almeida.
Criação e Desenvolvimento
Welington Carvalho