Os feitos de Pedro Dutra

No seu discurso de posse como prefeito em 1931, Pedro Dutra promete:


Construção de um matadouro com todos os requisitos de higiene; construção de um mercado municipal, garantindo a saída dos produtos da lavoura; obras de saneamento como demolição de cortiços no perímetro urbano; retificação e canalização de córregos; calçamento de ruas, jardins e arborizações; estradas de rodagem com plano de viação rodoviária, ligando os distritos entre si e ao município; construção de uma Vila Operária na zona suburbana; abertura de escolas rurais e noturnas. (Discurso de posse proferido por Pedro Dutra. Jornal Cataguases, 24.05.1931)


Essas promessas foram cumpridas e se observarmos as obras realizadas em sua gestão, veremos que elas convergem em três direções: higienização e saneamento, estradas e escolas e uma constante preocupação com a questão do planejamento urbano, ou seja, a necessidade de se traçar um plano através do qual o crescimento da cidade deveria ser pautado.


Em 1920, Pedro Dutra exerceu o cargo de Agente Recenseador e, ao fazer o recenseamento do município, pode constatar de perto as condições higiênicas e de moradia. Num relatório apresentado ao Delegado Regional do Recenseamento, ele descreve a situação:

“A maior parte dos fazendeiros e sitiantes moram em casas apenas assoalhadas e cobertas de telhas. Não são forradas. (...) Veem-se frequentemente currais de bois encostados à casa. O porão é, às vezes, curral de bezerros!... as cervas de porcos ficam bastante, não raramente, a dois passos da residência!!...” (Jornal Cataguases, 08.12.1946)

As condições de moradia na zona urbana não são muito diferentes:

Pelo atual recenseamento sabe-se, pelo menos aqui em Cataguases, que o número de prédios do município é de 9.037 e o de habitações 9.243, dando uma média de seis habitantes por moradia. Isso porque há muitos prédios divididos em várias moradas (...) desses prédios 4807 são assoalhados cobertos de telhas, ou seja, 53,5%; 2550 são sem assoalhos cobertos de sapé (ranchos), ou seja, 27,5%; 610 sem assoalho cobertos de taboinhas, ou seja 7%; 970 sem assoalho coberto de zinco ou bicas de palmito, ou seja 11%; e 100 assoalhados cobertos de sapé, taboinhas, ou seja 1%”.


Uma de suas primeiras medidas como prefeito foi a demolição de cortiços “infectos” situados na zona urbana da cidade, mais precisamente na Rua Coronel Vieira, centro da cidade e Vila Tereza. Segundo noticia o jornal Cataguases de 24 de maio de 1932, mais de 100 cortiços foram demolidos. A demolição dos casebres situados na Rua Coronel Vieira, que culminou num processo, (Ação Possessória, 1931. Autor: Domingos Tostes. CDH), resultou de uma portaria baixada pelo prefeito Pedro Dutra – Portaria nº 15 de 28 de junho de 1931 – autorizando o ato, tendo em vista que as moradias números 59, 61, 63 e 65 eram anti-higiênicas, encontravam-se em ruínas e já estavam condenadas pela Saúde Pública desde 1929, sendo que o proprietário foi notificado e nenhuma providência tomou.


Apesar da ação judicial e dos protestos do proprietário, os casebres foram demolidos. Essa preocupação do prefeito com a higienização da cidade e o saneamento pode ser percebido através das leis e portarias assinadas por ele. O artigo 10 da lei nº 346 diz o seguinte: “Toda vez que no perímetro urbano ou suburbano um prédio ou lugar não satisfizer as exigências do Registro Estadual nº 8116 de 31 de dezembro de 1927, a autoridade sanitária intimidará o proprietário a corrigir as falhas, desocupar ou fechar os prédios até que sofra os melhoramentos ou demoli-lo”. (Jornal Cataguases, 14.06.1931) O artigo 11 autoriza desligar o serviço de água e esgoto dos referidos prédios.


O prefeito afirma ainda que não dará a quem quer que seja, autorização para reformar ou construir casas, que estejam condenadas pela higiene ou consertos e reparos que não satisfaçam às exigências do referido regulamento estadual. A concessão do alvará de licença para construção de prédios no perímetro urbano, fica vinculado ao cumprimento da Lei Municipal nº 278, onde encontram-se exigências quanto a altura mínima dos cômodos, tamanhos das portas e janelas, iluminação e ventilação, entre outras normas que buscam garantir as condições higiênicas e sanitárias das moradias.


Uma outra lei obriga a limpeza de todas as posses e terrenos vagos na zona urbana e intimida seus proprietários a murá-las, bem como aterrar escavações em que se estagnem águas fluviais ou qualquer coisa que torne imundo esses lugares.


Para a melhor execução das leis foram criados cargos como de limpeza pública e a instituição da “turma do mata mosquito”, que fazia visitas às habitações e caixas d’água. Foi acionado também o Posto Higiênico, responsável por visitas, palestras informativas com o objetivo de conscientizar a população sobre a importância dos cuidados higiênicos e pelo “habite-se”, uma espécie de certificado concedido por esse órgão às casas vistoriadas.


Açougues, padarias, restaurantes e barbearias também não escapavam da fiscalização dos agentes sanitários. Uma nota no Jornal Cataguases de 23 de setembro de 1931, instrui o público a cobrar higiene nas barbearias, exigindo a desinfecção de todos os aparelhos usados. Os donos de bares, restaurantes e hotéis deveriam manter as louças e utensílios esterilizados, as instalações sanitárias em perfeita limpeza e não acumular lixo. Todas essas medidas demonstram a preocupação do prefeito com a higienização e o saneamento da cidade, seja em casas particulares ou nas vias públicas.


Alguns anos depois, Pedro Dutra publica no Jornal Cataguases de 08 de dezembro de 1946, um balanço do que foi feito de 1920 até aquela data Entre outros benefícios encontramos: reforma do serviço de abastecimento de água potável à cidade, com instalações de filtros e tratamento de água e instalações e melhoramentos das redes de água e esgoto em todas as sedes dos distritos. Afirma que o número de habitações do município, com requisitos de higiene, melhorou 50% e elogia a atuação dos médicos, tendo em vista a melhoria das condições higiênicas da população rural. Apesar de ser um instrumento de propaganda política, este balanço deixa transparecer a preocupação e o empenho de Pedro Dutra em sanar as deficiências registradas neste setor, quando realizou o censo em 1920.


Uma outra frente de atuação de Pedro Dutra enquanto prefeito, foi a construção de estradas. Abriu diversas estradas de rodagem ligando os distritos entre si e à sede do município, bem como as cidades da região: Cataguases a Laranjal; Cataguases a Sereno e Santana; Cataguases a Aracati e Vista Alegre; São Manoel do Guaiaçu a Astolfo Dutra; estrada de automóveis Cataguases a Leopoldina, além da construção e reparo de pontes.

A abertura de estradas é importante não só para circulação de pessoas. É fundamental para dinamizar a economia local, uma vez que permite melhor circulação e comercialização dos produtos da região. Aliás, a tentativa de incremento da economia municipal pode ser percebida ainda através da criação da feira livre, que permitia o escoamento dos produtos da lavoura da região e fomentava o mercado interno.


Uma terceira frente de sua atuação como prefeito e deputado é a abertura de escolas. Várias escolas foram criadas na cidade e distritos, através de sua intervenção e influência junto a políticos e governadores:

Grupo Escolar Guido Marlière, Grupo Escolar Astolfo Dutra, grupos escolares em Sinimbu, Guaiaçu, Cataguarino, Vista Alegre, Santana, Astolfo Dutra, Dona Euzébia, Joaquim Vieira e Colônia Major Vieira. Grupo Escolar Flávia Dutra, grupo noturno Professor Quaresma, Jardim de Infância Vigário Cassimiro e escolas rurais.


Finalmente temos a questão do planejamento urbano. Em 1931, logo após a sua posse como prefeito, Pedro Dutra amplia o perímetro urbano, divide o município em zona urbana e suburbana e designa um engenheiro para fazer uma planta delimitando a zona urbana e as plantas dos bairros da zona suburbana. O próximo foi cuidar das vias públicas: arborizações, nivelamento e calçamento de ruas, passeios e jardins. A parte baixa da Rua Coronel Vieira e outros trechos da cidade foram nivelados para evitar inundações. A Avenida Astolfo Dutra foi ampliada e pavimentada com paralelepípedos em 1933, outras ruas também receberam calçamento como a Avenida Antônio Carlos e a Rua Francisco de Barros. Os passeios passaram a ser exigidos no perímetro urbano:

Todo proprietário é obrigado a construir o passeio de seu prédio ou terreno na testada da rua, arrumar e nivelar passeios ruins”. (Artigo 118 da Lei Municipal nº 350, publicado no Jornal Cataguases, 21.06.1931)


A lei autorizava ainda a prefeitura a exigir que, em determinadas avenidas e ruas, as calçadas fossem feitas de um só material e obedecerem a um só desenho, demonstrando a preocupação com a estética e a beleza.


Praças e jardins também foram remodelados. O programa de reforma dos jardins concretizou-se em 1946, com a reconstrução da Praça Rui Barbosa e Praça Santa Rita, sendo para isso contratados técnicos de outras localidades.


As construções particulares também eram fiscalizadas. Pela Lei Municipal nº 278 não se podia – como ainda hoje – realizar nenhuma construção, acréscimo ou conserto sem a licença da prefeitura e esta só concedia o alvará de licença para construção de prédios no perímetro urbano se eles estivessem de acordo com as normas previstas na referida lei. A lei exigia, entre outros: afastamento mínimo das construções e respeito ao alinhamento da rua ou praça e que, “visando o efeito estético de um conjunto de construções, que os prédios a serem construídos em certas praças, avenidas ou ruas, obedeçam a determinados requisitos ou as linhas gerais de um tipo arquitetônico”. (Artigo 10 da Lei nº 278. Anexo ao Processo de Ação Possessória, 1931. CDH).


Essa mesma preocupação aparece no projeto urbanístico da Vila Tereza – terreno situado à margem esquerda do Rio Pomba, era ocupado por inúmeros casebres. Ali, Pedro Dutra planejou construir um bairro “chique”. Demoliu os casebres, abriu e nivelou ruas e avenidas, delimitou os passeios. Para a construção das casas, impôs normas: estas deveriam ser recuadas e obedecerem a um determinado estilo arquitetônico (O documento verificado não especifica o tipo de estilo arquitetônico). Além do hospital, situado na área, o novo bairro ganhou também um grupo escolar. O projeto de urbanização da Vila Tereza tinha por objetivo, o “descongestionamento de outros bairros e a modificação do estilo arquitetônico das novas residências”. (Jornal Cataguases, 18.12.1932)


Um outro plano que compõe o projeto urbanístico de Pedro Dutra é a construção de uma Vila Operária. Situada na zona suburbana, a vila foi planejada para ter ruas arborizadas, praças ajardinadas e habitações higiênicas. Os lotes, garantindo espaço para horta e quintal, deveriam ter um preço ínfimo para permitir ao trabalhador a posse de sua casa própria.


Esses projetos, abandonados por seus opositores, foram retomados em 1945, quando Pedro Dutra retoma a chefia política local, especialmente a urbanização da Vila Tereza.


A preocupação com o planejamento retorna: seu prefeito, Edison Vieira de Resende, propõe a elaboração de um “Plano da cidade”, que seria uma espécie de tutela do aspecto urbanístico da cidade. Planta da cidade, delimitação da zona urbana e suburbana, higienização e saneamento, demolição de cortiços, nivelamento de ruas, abertura de avenidas, limpeza e a ampliação das vias públicas, construção de passeios, praças e jardins, projetos de moradias, planejamento urbano, abertura de estradas.


Cataguases nas décadas de 1930 e 1940 viveu uma significativa transformação econômica: de uma cidade agrária foi se transformando em uma cidade industrial. As lavouras tradicionais, como café e cana-de-açúcar entraram em declínio. Na sede do município começaram a surgir fábricas de tecido e outras pequenas indústrias. Diante desse quadro, tivemos um aumento do êxodo rural e a cidade começou a receber inúmeras famílias da zona rural em busca de emprego e moradia. A questão da moradia se tornou um problema urgente a ser resolvido. A este, somam-se outros: o baixo nível de instrução da população, as péssimas condições higiênicas, problemas de saneamento, precariedade das estradas que dificultam a circulação de pessoas e mercadorias, precariedade dos meios de comunicação... É preciso remodelar a cidade, construir, reorganizá-la para se adequar aos novos tempos e às novas exigências. E para isso essa remodelação deve ser racional, esse crescimento deve ser planejado para evitar o caos urbano.


Os novos bairros, as ruas, calçadas e avenidas devem respeitar um plano traçado racionalmente, dentro das exigências sanitárias e estéticas. Isso é planejamento urbano. Isso é modernização e foi isso que encontramos no programa de governo de Pedro Dutra.


Foto: Pedro Dutra no coreto da Praça Rui Barbosa, 1932 - Acervo de Pedro Dutra


Fonte: A disputa de grupos familiares pelo poder local na cidade de Cataguases – práticas, representação e memória

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Minas Gerais, pela Professora e Mestre em História, Odete Valverde Oliveira Almeida.


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