Jornal Cataguases, 1934
Pedro Dutra sucedeu seu pai, Astolfo Dutra, na chefia política municipal em 1931.
Trabalhador incansável, sério, austero, honesto, justo, digno, patriota, cívico, idealista, lutador, bondoso, abnegado, tolerante, sereno, mas enérgico e decidido nos momentos necessários. Homem de elegância moral e espírito de sacrifício exigido a quem exerce um cargo público. Forte em suas convicções e seu credo. Corajoso e tenaz, capaz de enfrentar os poderosos em defesa do interesse público, por isso possui a consciência limpa: “Entre o dilema de renunciar ao dever ou criar inimigos poderosos que juraram derrubar-me, optei pelo exato cumprimento do dever”. (Jornal Cataguases, 05.03.1933)
Essas são algumas das qualidades, pertinentes à personalidade do chefe político, através das quais Pedro Dutra, em seus discursos, projetava ao público uma imagem de si mesmo. Podemos observar que o chefe reúne em si, qualidades de cristão e homem público. Mais do que isso, qualidades de um nobre: honra, bondade, coragem, justiça.
A essas qualidades pessoais, soma-se a lealdade partidária: aliancista desde o início, sempre foi devoto defensor de Olegário Maciel e Antônio Carlos, lutou com eles na Revolução de 1930 e contra São Paulo em 1932, defendeu-os “nas urnas, na imprensa e na praça pública”. (Jornal Cataguases, 09.04.1933)
Lealdade, fidelidade, correção partidária, outros adjetivos que se acrescentam à sua personalidade. Pedro Dutra se auto representa ainda como democrata e cumpridor da lei. Em seus discursos sempre se coloca como defensor do voto livre, da igualdade de direitos, da liberdade, da tolerância e do respeito. Retrata a cabine eleitoral como “templo sagrado”. Reitera constantemente sua crença nas urnas, onde o povo soberano, seleciona os mais capazes, os que promovem o bem coletivo e cuja decisão deve ser respeitada.
Afirma ser incapaz de realizar um ato sequer de violência ou perseguição e se diz tolerante e liberal por permitir que se edite e circule boletins da oposição pela cidade, assegurando a liberdade de imprensa e expressão. Quanto à lei, Pedro Dutra afirma exercê-la em todos os seus atos e que todos devem cumpri-la. Defensor do direito e da justiça, cortou a regalia dos potentados e se refere à lei como um instrumento que iguala a todos: pobres e ricos; patrões e empregados. Demonstra também uma grande preocupação com a legalidade de seu mandato – lembrando que exerce o cargo como prefeito nomeado, em 1931, já que ainda não havia eleição para o mesmo.
Frisa por inúmeras vezes que possui o apoio da população, o reconhecimento, o prestígio e a idolatria do povo, que o elevou ao cargo. Sempre se coloca sob julgamento do “júri popular”, através do qual procura legitimar o seu poder. A opinião pública, segundo ele, é um juiz infalível. Ressalta sempre a “transparência” de sua administração: sua atuação política sempre foi feita às claras, aos olhos de todos, inclusive de seus adversários.
Seu último ato enquanto prefeito foi a prestação de contas diante daqueles que lhe confiaram o mandato, demonstrando elegância moral e honradez. Coloca a escrituração da prefeitura à disposição de qualquer pessoa que queira consultá-la. Trata-se de uma escrituração organizada, não permitindo o desvio de um real sem se saber onde e como ele foi empregado. Ao lado de democrata e cumpridor da lei, o chefe se retrata também como “protetor dos pobres”. Vive em seu meio, escuta-os, comunga com suas preocupações, desce à morada dos pobres para ouvir, ver e atender suas reivindicações e tudo faz para aliviar seu fardo. Não há na história do município chefe político que mais vise o bem-estar dos pobres. Sempre sai em defesa dos operários explorados pelos seus patrões e garante que “a lei que protege e ampara os direitos dos operários dentro em breve será cumprida aqui, quer queiram ou não os magnatas”. (Jornal Cataguases, 09.04.1933)
Uma outra imagem projetada por Pedro Dutra em seus discursos é a de progressista. Ressalta sempre sua atuação no município como impulsionadora do desenvolvimento e da economia. Uma administração fecunda, de intensa operosidade, próspera, intensificadora da vida comercial e de incalculáveis serviços à comunidade. Se auto representa como o “maior construtor que Cataguases já teve”, (Jornal Cataguases, 12.08.1933) aquele que tem transformado o município, numa cidade moderna, higiênica, ampla e alegre.
Exemplo de febril evolução, trabalho árduo e silencioso que colocou em prática planos de remodelação da cidade em todos os aspectos de suas atividades, conjugando esforços, apagando as dificuldades, reunindo energias, persuadindo e convencendo.
Edificar, renovar, realizar, transformar, são os verbos mais conjugados. Rodovias disseminam-se prodigiosamente, postos higiênicos, escolas, salubridade, embelezamento da cidade, nivelamento de ruas, enfim, a transformação do velho aspecto da cidade, proporcionando o conforto e as exigências da vida moderna.
Contudo, sua imagem mais forte, mais contundente e elaborada, principalmente na primeira fase de sua administração, no início dos anos 1930, é a de “defensor do patrimônio público” (Jornal Cataguases, 15.08.1931) contra os mesquinhos interesses privados.
Pedro Dutra se autointitula “apóstolo do bem público”.
“A personalidade invulnerável do atual administrador advoga tão somente as causas que redundam aos interesses da coletividade cataguasense. Daí o conflito com aqueles que visam o interesse pessoal.” (Jornal Cataguases, 20.06.1931)
Lembra que às vezes, o bem particular precisa ser sacrificado em benefício do bem geral, sendo necessário tomar medidas que ferem a interesses pessoais, mas que são requeridas pelo serviço público, por gerar o bem da coletividade.
Lembra também que os negócios públicos pertencem à coletividade, ao público em geral e a ninguém em particular e a função do prefeito é cuidar e zelar pelo patrimônio público, que constitui um bem inalienável.
Esse discurso aparece nos jornais e nos dois processos cíveis de ação possessória movidos contra ele, em 1931 e 1932.
No primeiro processo, (Ação Possessória, 1931. Autor: Domingos F. Tostes. CDH) em que é acusado de demolir um prédio particular, portanto, de invasão de propriedade, Pedro Dutra argumenta em sua defesa que o terreno onde está situado o prédio é um patrimônio municipal e recorre às origens do município para sustentar sua argumentação. O terreno foi doado a Guido Marlière para que nele fosse fundado um povoado, sendo, portanto, um patrimônio demarcado e de natureza puramente civil. Guido Marlière delimitou as ruas do povoado, estabelecendo condições gerais para edificações e que assim sendo, o prédio demolido está edificado numa posse da prefeitura e pertence ao patrimônio municipal.
No segundo processo, (Ação Possessória, 1932. Autor: Irmãos Peixoto) em que o prefeito é novamente acusado de invasão de propriedade, Pedro Dutra usa o mesmo discurso anterior, ou seja, de defesa do patrimônio público. Argumenta que o terreno foi doado para ser uma praça para uso perpétuo do povo, na qual se poderá edificar coisa alguma de uso particular e cita trechos do artigo 66 do Código Civil, onde se lê que os bens comuns do povo, tais como ruas e praças, pertencem a todos. Os proprietários desses bens é a coletividade, o povo. A administração pública está confiada sua guarda.
Pedro Dutra alega que os bens de uso comum são imprescritíveis e inalienáveis. Estão fora do comércio, não são objetos de negócio, não podem ser vendidos, nem cedidos de forma alguma, por pertencer perpetuamente ao povo, e à prefeitura incumbe a guarda e a gestão das vidas pública.
Mais uma vez cita a lei: compete aos Prefeitos “V – Gerir cuidadosamente o patrimônio municipal, conservando-o e melhorando-o”. (Artigo 12, do Decreto Estadual nº 9.847. In: Processo Cível, 1932. P.149 CDH)
Podemos perceber claramente a postura de “defensor dos interesses públicos” e de “cumpridor da lei” que se arroga Pedro Dutra. Todavia, esse é um pressuposto que precisa ser mais bem explorado, necessitando para tanto, maiores pesquisas, o que ultrapassaria os limites dessa dissertação.
Foto: Pedro Dutra - Acervo de Pedro Dutra - sem referência de data
Fonte: A disputa de grupos familiares pelo poder local na cidade de Cataguases – práticas, representação e memória
Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Minas Gerais, pela Professora e Mestre em História, Odete Valverde Oliveira Almeida.
Criação e Desenvolvimento
Welington Carvalho