Quando, como e por que Francisco Inácio Peixoto resolveu fazer um colégio?

Foto: Archdaily, exposição sobre o muralista Paulo Werneck em Belo Horizonte, sem referência de data ou autoria.

Francisco Inácio Peixoto tinha uma preocupação social e cultural, um olhar atento para as necessidades da cidade e uma questão de ordem bem prática e sentimental: oferecer condições para que os filhos convivessem em família alguns anos mais. Além do que, pode-se apreender pelas obras que realizou e pelas influências que exerceu - nos projetos da casa de saúde, museu, maternidade, hotel, cinema, casas para o operariado - que ele acreditava nas artes como instrumento de transformação da sociedade. 


Mas o que estava acontecendo no Ginásio Municipal de Cataguases em 1940? 


O professor Antônio Amaro, à frente de instituições de ensino desde 1905, precisava reorganizar sua vida e aposentar-se. Podemos imaginá-lo então em conversas, buscando pessoas interessadas que pudessem adquirir o seu colégio. 

Marques Rebelo disse que o ginásio estava com avarias em sua estrutura e ameaçado de não poder funcionar dentro das novas disposições ministeriais; o proprietário – Professor Antonio Amaro, não se sentia disposto a fazer uma reforma geral que o colocasse dentro das exigências legais - já estava muito doente, muito alquebrado, para enfrentar uma obra de tal monta, que o obrigaria a continuar à frente do estabelecimento, quando o seu propósito irrevogável era aposentar-se, pois que quarenta anos de magistério já fora carga bem pesada e que merecia descanso (REBELO, 2002, p. 193)


Em carta a Francisco Inácio Peixoto, Gastão Gonzaga, analisando uma série de aspectos relativos à aquisição do colégio, argumentava que estavam diante das atuais exigências dos Ministérios do Trabalho e Educação. Os ginásios estão realmente onerados, e o decreto que regula o salário dos professores não deixa a menor dúvida quanto ao caso, isto é, os professores de 7$000 (entre 3 a 4 salários mínimos) não poderão sofrer nenhuma alteração nos seus vencimentos. A regulação atingia também todos os funcionários a serviço do colégio, os quais gozam dos mesmos direitos dos professores junto ao Ministério do Trabalho. 


Na iminência de a cidade ficar sem tradicional educandário, houve um movimento para adquiri-lo e reformá-lo. Quem, no início da década de quarenta poderia se interessar em adquirir o Ginásio de Cataguases? Não tem registros de quantos se motivaram, mas o fato é que o colégio tinha se tornado um atrativo para os jovens que já não precisavam sair de casa para estudar em longes terras. 


Fazendeiros, sitiantes, mais a fina flor da burguesia local, pequenos funcionários, comerciantes, o pessoal do fórum e, sobretudo, O Cataguases, órgão oficial dos poderes municipais” tinham-no visto como “germe de um futuro Caraça” e os mais “exaltados profetas” chegaram a pensar que “seria uma nova Ouro Preto, uma nova Sorbone (famosa Universidade da França) em plena Zona da Mata” (Guilhermino César, in Caderno de Sábado-31/03/1979- Arquivo- Museu de Literatura)


No acervo de correspondências de Francisco Inácio Peixoto há indícios de ações mais engajadas e novas manifestações de preocupação dos amigos por ele se dispor adquirir o colégio: “Com pesar imenso venho por um ponto final às nossas negociações entabuladas com o querido mestre Antônio Amaro” (Cp FIP - Gastão Gonzaga. 7/02/1941)


O professor Gastão, segundo depoimento do Dr. Manuel das Neves foi “o primeiro nome a ser lembrado como diretor, Francisco Peixoto sempre falava nele, mas ele não quis vir para Cataguases” (Manuel da Neves, 1988, p.77)


Francisco Inácio Peixoto tinha uma ligação afetiva com o colégio fundado pelo pai, no qual estudara e fora professor de História, além da relação de carinho e respeito mútuo entre ele e o professor Antônio Amaro, que se revelou, quando da leitura da carta que o mestre lhe enviara em 14 de dezembro de 1928. 


Assim sendo, Francisco Inácio Peixoto toma a pulso a empreitada: Em 1942, a firma Peixoto & Cia Ltda adquiriu o educandário, tornando-se, então, seus diretores Francisco Inácio Peixoto e Manuel das Neves Peixoto. Pelo decreto número 21.476, de 22 de julho de 1946, o Ginásio Municipal de Cataguases transformou-se em Colégio de Cataguases.


Lançar um olhar sobre a modernidade, no que concerne à arquitetura em Cataguases é refletir sobre a própria história do movimento modernista brasileiro e reconhecer em Francisco Inácio Peixoto a autoria dessa transformação. Arquitetos como Aldary Toledo, Carlos Leão, Francisco Bolonha, Flávio Aquino e Edgar do Valle, além de Niemeyer construíram ali um acervo que fez de Cataguases uma das cidades precursoras desse audacioso movimento.


A arquitetura do Colégio de Cataguases, segundo seu criador Niemeyer, não pede explicação, muito possivelmente no que diz respeito à funcionalidade. Se a relacionarmos, no entanto, às construções com destinação semelhante podemos marcar a sua diferença. Estamos falando de um prédio escolar moderno, numa concepção local e nacional. 


O Colégio Cataguases apresentava uma arquitetura inovadora se comparada à dos prédios dos grupos escolares Coronel Vieira e Astolfo Dutra, inaugurados em 1913, ao prédio Grupo Escolar Guido Marlière instalado em 1930 e ao da Escola Normal Nossa Senhora do Carmo, inaugurada em 10 de fevereiro de 1912.


Um dos desdobramentos mais importantes da Semana de Arte Moderna teve o grande mérito de servir de plataforma para a consolidação de grupos, publicação de livros, revistas e manifestos em vários estados brasileiros, dentre os quais Minas Gerais. Um desses grupos, reconhecido e citado nas publicações sobre o Movimento Modernista Brasileiro, é o grupo da Revista Verde.


Eram nove rapazes mineiros que faziam poesias, contos, crônicas, romances, mas isso tudo ao longo das respectivas existências. Juntos estudaram, participavam do Grêmio Literário Machado de Assis, colaboraram em jornais locais, trocaram livros e, provavelmente, sonhos e aspirações: Ascânio Lopes (1906/1929) de Ubá; Camilo Soares (1909/1982), de Eugenópolis; Christophoro Fonte-Boa (1906/1993) de São Gotardo; Enrique Resende (1899/1974) de Cataguases; Francisco Inácio Peixoto (1909/1986) de Cataguases; Guilhermino César (1908/1993) de Eugenópolis; Martins Mendes(1903/1980) de Cataguases; Oswaldo Abritta (1908/1947) do Distrito de Cataguarino e Rosário Fusco (1910/1977).


Quase todos eram alunos do Gymnásio de Cataguases, exceto Martins Mendes, professor do colégio, Enrique Resende já engenheiro e com um livro publicado em 1923 e Fusco, o mais novo e que fez o curso ginasial numa fase posterior.


Assim, Francisco Inácio Peixoto, com sua trajetória de realizações não queria reformar somente o prédio e adaptá-lo às novas exigências. Ele queria construir um edifício à altura, uma obra que desse o que falar, que fosse um orgulho para a cidade.


O Colégio de Cataguases não deixa dúvidas sobre sua inserção numa nova linguagem arquitetônica, seja pela estética ou pelo uso de novos materiais e técnicas de construção. 


Visto sob a perspectiva de um edifício escolar podemos atribuir-lhe o caráter de inovador. Em primeiro lugar pelas próprias linhas modernistas que se distinguia dos modelos da época, não apenas no que diz respeito à fachada e entorno como às dependências interiores, todas com uma série de elementos que ratificam e consolidam a opção pelo moderno. 


Ao lado dele outras obras importantes se destacaram, como o Museu de Belas Artes de Cataguases e o seu painel Tiradentes, de Cândido Portinari; a escultura O pensador de Jan Zach; o painel de pastilhas de Paulo Werneck, o Museu de Artes Populares e, somando-se a esses trabalhos, o paisagismo de Burle Marx para os seus jardins e o mobiliário concebido por Joaquim Tenreiro.



Fonte: As representações do Colégio de Cataguases e de suas práticas educativas nas memórias de seus ex-alunos (Década de 1950). Mestre em Educação pelo Programa de Pós Graduação da Universidade Estácio de Sá. Área de Concentração: Educação e Cultura Contemporânea, 2005 - Eloísa de Castro Silva

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